segunda-feira, 28 nov 2022
Ignazio Cassis (quem?). Esse é
o nome do atual presidente da Suíça.
Mas
nem se preocupe em decorar esse nome: ano que vem o presidente já terá
mudado. Assim como era outro presidente no ano passado.
Sim,
a Suíça muda
seu presidente anualmente.
Aliás,
há algo de muito interessante sobre a política suíça: você simplesmente nunca
ouviu falar de nenhum político suíço em nenhum momento da história.
Você
certamente conhece nomes — atuais ou do passado — de políticos da França, da
Alemanha, do Reino Unido, da Itália, da Áustria, de Portugal, da Espanha, da
China, do Japão, e dos principais países da América Latina. Uma simples pesquisa no Google irá
lhe apresentar toda a equipe do atual chefe de governo de cada um desses
países.
Mas
você absolutamente nada sabe sobre a política da Suíça. Você simplesmente nunca
ouviu falar de nenhum político da Suíça, nem atual nem do passado. Com efeito,
você sequer sabe ao certo qual é o sistema político vigente na Suíça.
(Há
uma piada antiga que diz que não há corrupção na Suíça porque as pessoas
simplesmente não sabem onde estão os políticos que elas devem tentar subornar
para conseguir favores.)
A
questão é: como é que um país tão famoso (e tão invejado) no cenário internacional
possui um executivo totalmente desconhecido?
Os suíços se opuseram a um governo
central desde o início de sua história
O
começo da confederação suíça nunca esteve relacionado à busca pelo poder.
Do
século XIV em diante, enquanto toda a Europa estava dilacerada ou por conflitos
territoriais ou por conflitos religiosos (como Guerra dos Trinta
Anos, de 1618 a 1648), os originariamente 8 cantões da Antiga
Confederação Helvética eram um microcosmo de paz e prosperidade.
Sim,
dentro desses cantões também havia diferenças religiosas, mas sua população, em
vez de guerrear entre si, preferiu um acordo: fizeram um pacto de mútua
assistência militar para proteger a neutralidade da região e sua paz.
O
Sacro
Império Romano-Germânico havia concedido a essa comunidade de cantões a imediatidade
imperial, o que significava que os cantões estavam livres do domínio do
Império (eram autônomos) ao mesmo tempo em que faziam parte dele.
Considerando-se que as realezas européias extraíam volumosas quantias de
impostos de seus súditos para financiar suas guerras que duravam décadas, ser
um suíço àquela época era comparável a viver no primeiro genuíno paraíso fiscal
da história.
Mais
ainda: por qualquer ângulo que se olhe, as seguidas destruições que ocorriam em
toda a Europa faziam com que as eventuais diferenças que havia entre os cantões
suíços parecessem totalmente insignificantes.
Posteriormente,
as diferenças religiosas começaram a crescer também na Suíça, gerando conflitos
entre os cantões católicos e os cantões protestantes. Cada um desses conflitos
teve seus vencedores, mas, mesmo assim, nenhum deles conseguiu impor uma
verdadeira mudança de regime, uma vez que os cantões eram diversos demais para
serem governados centralizadamente. Os governos cantonais simplesmente se
recusavam a cooperar entre si. Um governo cantonal não seguia ordens de nenhum
outro governo cantonal. A única política com a qual todas concordavam era a
política externa de neutralidade, a qual acabou por poupar o país de todas as
guerras.
Em
1798, porém, o Exército
Revolucionário Francês invadiu a Confederação e estabeleceu a República
Helvética. A Suíça deixava de ser uma confederação e se tornava um estado
centralizado. A soberania cantonal foi abolida e os cantões foram reduzidos a
distritos administrativos, tudo à imagem da França revolucionária. A República
Helvética, "Una e Indivisível", foi proclamada e as forças de
ocupação estabeleceram um estado centralizador baseado nas idéias
da Revolução Francesa.
Mas
essas idéias "progressistas" sofreram ampla resistência e foram
abolidas 5 anos depois, pois a população suíça se recusava a cooperar com
quaisquer tentativas de centralização. A República Helvética era simplesmente
incompatível com a mentalidade suíça: os indivíduos exigiam que todas as
decisões governamentais fossem feitas em nível cantonal, e não em nível
federal.
A centralização e a Guerra Civil da
Suíça
A
República Helvética acabou em 1803 com a Ata de Mediação,
promulgada por Napoleão Bonaparte. O estado centralizado foi abolido.
Mas
ainda havia uma pendenga sobre a legitimidade de se ter um governo federal.
Após décadas de desavença quanto a essa questão, uma guerra civil acabou por
encerrar a querela.
A
Guerra de
Sonderbund ("aliança separada", em alemão), de novembro de 1847,
foi uma batalha originada por sete cantões católicos conservadores que se
opunham à centralização do poder e que, por isso, se rebelaram contra a Confederação
que estava em vigor desde 1814. Esta foi provavelmente uma das menos espetaculares guerras da história
do mundo: com duração de 26 dias, o exército federal perdeu 78 homens e teve
outros 260 feridos. Mas saiu vencedor. A Conspiração Sonderbund se dissolveu e
a Suíça se tornou, em 1848, o estado que é até hoje.
Apenas
pense nisso: a guerra suíça (caracterizada por sua inacreditavelmente baixa
violência quando comparada às outras guerras) foi motivada puramente pela
rejeição à centralização do poder e pelo ceticismo quanto aos poderes usufruídos
por uma entidade grande. E lembre-se de que estamos falando de um país
territorialmente pequeno (apenas 41 mil quilômetros quadrados). O resultado
foi, e é, um estado relativamente neutro que permite uma maior quantidade de
liberdade e prosperidade que praticamente todas as outras nações européias.
O Conselho Federal, impotente por
natureza
Mas
então, qual é oficialmente o governo da Suíça?
O
executivo do país é representado por um órgão chamado Conselho
Federal. Ele é composto por 7 membros, sendo cada membro responsável por um
dos sete
ministérios da Suíça (que lá são chamados de Departamentos). Esses sete
membros são nomeados pelas duas câmaras da Assembleia Federal.
A
presidência e a vice-presidência do Conselho Federal sofrem um rodízio anual.
Já o mandato dos 7 membros é de quatro anos. O atual Conselho é formado por 2
social-democratas, 2 conservadores de centro-direita, 2 conservadores
nacionalistas, e um democrata-cristão (Doris Leuthard, que é a atual
presidente).
Embora
a Confederação da Suíça tenha sido criada para seguir o exemplo dos EUA no que
diz respeito ao federalismo e aos direitos dos estados, os suíços conseguiram
evitar que o poder executivo se concentrasse em apenas uma pessoa.
É
interessante notar que, embora cada país europeu tenha feito (e ainda faça)
constantes alterações em sua forma de governo, o formato do Conselho suíço é o
mesmo desde 1848. A única mudança política já ocorrida no Conselho Federal foi
a recente reversão da Fórmula
Mágica, também conhecida como o "consenso suíço", que é o costume político
de repartir os 7 assentos do Conselho entre os quatro maiores partidos: com a
chegada do industrial bilionário e opositor da União Europeia Christoph Blocher e
seu Partido
Popular Suíço, esse acordo político foi chacoalhado. Mais ainda: fez com
que uma eventual entrada da Suíça na União Europeia seja ainda mais improvável.
O
Conselho demonstra unidade em relação ao povo e a maioria de suas decisões é
feita por consenso. E é assim porque seu papel é muito mais decorativo do que
funcional, dado que a maior parte do poder é prerrogativa dos cantões. Decisões
relacionadas a educação, saúde, assistencialismo e até mesmo criação de
impostos são feitas exclusivamente em nível regional. O governo federal não
pode editar medidas provisórias e não tem poder de veto.
O
presidente da Suíça não tem praticamente nenhum espaço nas discussões políticas
e econômicas que ocorrem no país. Portanto, se você não sabia quem é o
presidente da Suíça, não se preocupe; vários suíços também não sabem.
O localismo funciona na Suíça
Os
cantões suíços são os responsáveis pelo equilíbrio da política: os cantões
conservadores são todos aqueles que estão fora das grandes cidades, como
Zurique, Genebra e Berna (a capital). A população das comunidades menores
rejeita a ideia de ter um governo distante e centralizado em uma capital
nacional. Como resultado, os suíços continuamente rejeitam propostas
progressistas, como a
de abolir a energia nuclear e a de usufruir uma renda garantida de 2,5 mil francos suíços mensais para
cada cidadão. Mais de
75% dos suíços foram contra a medida.
Essa propensão ao localismo seria consideravelmente
mais difícil não fosse o sistema de democracia direta, muito comum na confederação.
Todas as leis federais são submetidas às quatro
etapas abaixo:
1. Um projeto de lei é preparado pelos especialistas
na administração federal.
2. Esse projeto de lei é apresentado para um grande número
de pessoas por meio de uma pesquisa de opinião: governos cantonais, partidos políticos,
ONGs, associações da sociedade civil podem comentar sobre o projeto de lei e
propor mudanças.
3. O resultado é apresentado a comissões parlamentares
dedicadas ao assunto nas duas câmaras do parlamento federal, é discutido em
detalhes a portas fechadas e finalmente é debatido em sessões públicos em ambas
as câmaras do parlamento.
4. O eleitorado possui o poder final de veto sobre o
projeto de lei. Se qualquer pessoa conseguir encontrar, em três meses, 50.000 cidadãos
dispostos a assinar uma petição pedindo um referendo sobre esse projeto de lei,
um referendo será marcado. Para que um referendo seja aprovado, o projeto de
lei precisa ser apoiado apenas pela maioria do eleitorado nacional, e não pela
maioria dos cantões. É comum a Suíça fazer mais de dez referendos em um
determinado ano.
Tais
referendos explicam por que o Conselho Federal é formado por partidos da situação
e da oposição: se não houver consenso, a oposição pode usar a iniciativa
popular (referendo) para derrubar qualquer decisão tomada em nível nacional.
O fato é que, entre 1893 e 2014, apenas
22 de 192 iniciativas populares foram aprovadas pelos eleitores.
A reticência com que essas iniciativas são recebidas pelos suíços indica prudência
da parte dos eleitores e aversão a leis criadas centralizadamente.
E foi esse sistema de pesos e contrapesos, representado
tanto pelos cantões agressivamente localistas quanto pela ferramenta da
democracia direta, que tornou a Suíça particularmente resistente ao crescimento
do poder do governo, e um dos poucos bastiões da liberdade na Europa.
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Leia também:
Como o porte irrestrito de
armas garantiu a liberdade dos suíços
Se o objetivo é limitar os
gastos do governo, há um exemplo prático a ser copiado: a Suíça
Palmas para os suíços