Em 13 de julho de
2011, o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) finalmente aprovou,
por 04 votos a 01, a fusão da Sadia com
a Perdigão, após um processo de negociações que vinha se arrastando por cerca
de dois anos, e que ao fim resultou em uma série de medidas tão gravosas que
por apenas um pouco mais inviabilizaram definitivamente a operação.
Da fusão entre as duas
bem-sucedidas empresas, nasceu a holding BRF -- Brasil Foods, amputada ainda
na maternidade, sendo obrigada a alijar uma parte substantiva dos seus ativos, além
de ter sido submetida a uma severa dieta de participação no mercado.
Nada menos que 10
fábricas de alimentos, 04 abatedouros, 12 granjas, 02 incubadoras de aves, 08 centros
de distribuição e 04 unidades de produção de ração terão de ser vendidos, e
para uma única compradora; além disso, o conglomerado também terá de se
desfazer de nada menos que 12 marcas consagradas pelo público consumidor:
Resende, Wilson, Doriana, Texas Burguer, Confiança, Patitas, Escolha Saudável,
Fiesta, Delicata, Light & Elegant, Tekitos e Freski.
Acabou? Mal começou: o
conglomerado ficou ainda impedido de entrar em campo por três anos para a
produção e comercialização no mercado interno de presunto, linguiça, paio,
palheta, pernil, lombo e produtos natalinos, em especial, suínos (grifos
meus); 04 anos para o salame, e 05 anos para comidas prontas, tais como
almôndegas.
Mais: a marca Batavo
ficou proibida de produzir e comercializar produtos de origem em carne animal,
tendo sido limitada ao setor dos produtos lácteos. Por fim, à holding BRF restou resignar-se com
a proibição de substituir as marcas alienadas e de estabelecer parcerias com o
varejo para vendas com exclusividade ou criar pontos de vendas exclusivos.
Será que me esqueci de
algum detalhe? No total, a BRF foi decepada em uma capacidade operacional de
730 mil toneladas por ano, o equivalente a 80% da capacidade produtiva da
antiga Perdigão. (Fonte: Veja Economia)
Uma pausa para um
suspiro e uma reflexão...
Estamos em 2012,
exatamente um ano depois, faceando as seguintes manchetes:
Em MT, criadores de suínos desistem da atividade ou
buscam alternativas;
Suinocultura: Crise assombra o Oeste catarinense;
Santa Catarina registra R$ 1 bilhão de prejuízo com
a crise da suinocultura;
Governo discute medidas de apoio à suinocultura nesta
terça-feira (10);
Crise na Suinocultura: ACCS mobiliza produtores
para o Manifesto Público em Brasília nesta quinta-feira (12) e outras...(fonte: Notícias Agrícolas)
Será que alguém
conseguiu enxergar no cotejo entre as duas notícias alguma relação de causa e
efeito? Pois é...
Com o impedimento
da BRF de participar do mercado e, de forma agravante, de ter sido obrigada a
vender um substancial conjunto de ativos para os quais ainda não encontrou um
comprador único, naturalmente criou-se um enorme vácuo na cadeia econômica,
especialmente danoso para o setor da suinocultura, que tem no estado de Santa
Catarina o principal produtor nacional.
Sem haver quem
compre a produção, que a beneficie e a distribua para todo o país, naturalmente,
somente restou ao suinocultor ver os preços de sua produção despencarem na cratera
logística aberta pelo governo. Mas,
pasmem, o preço ao consumidor final, no varejo, longe de ter diminuído
proporcionalmente, como seria de se esperar segundo um raciocínio mais ligeiro,
curiosamente tomou o rumo inverso e encareceu significativamente, tanto mais
quanto mais afastado o mercado consumidor das regiões produtoras.
Isto só pode
ser explicado, logicamente, pelo duro golpe na estrutura logística promovido
pela pretensiosa mão estatal do "Super CADE". Moral da história: o consumidor saiu (muito)
mais lesado do que se a fusão entre as duas empresas não tivesse sido submetida
a nenhum óbice.
Ademais, os
produtos de ambas as marcas -- digo, Perdigão e Sadia --, vinham sendo
oferecidos com um certo equilíbrio entre qualidade e custo, de modo que suas
concorrentes, até então, vinham buscando a diferenciação pela priorização de
uma ou outra característica. Agora, dado o novo cenário, as rivais que
primavam pelo preço mais acessível viram-se livres para praticar preços mais
altos sem ter necessariamente de melhorar a qualidade de seus produtos, ao
passo que as concorrentes, que se diferenciavam pela qualidade, não viram
motivo para manchar a reputação perante o público-alvo mais seleto (e
endinheirado) para o qual se especializaram.
No frigir dos
ovos, o consumidor saiu-se triplamente prejudicado: perdeu o bem da marca
favorita e viu-se diante da inglória alternativa de comprar um substituto de
pior qualidade por um preço majorado!
Da minha
experiência pessoal, há várias marcas para as quais não me contentei com os
substitutos e, ao final, fossem por ser de qualidade inferior ou de preço não
razoável para os meus padrões de consumo, simplesmente abdiquei completamente
de adquirir os respectivos gêneros. Portanto,
creio ser possível acreditar que outras pessoas de classe média tenham
repetido, em maior ou menor grau, o meu comportamento, o que revela uma forma
não contábil de empobrecimento relativo ou diminuição da qualidade de vida.
Como tem sido
anunciado, o governo catarinense tem acenado com medidas paliativas, tais como
a de incluir a carne suína na merenda escolar e de promover campanhas
midiáticas enaltecendo o valor nutritivo e os benefícios para a saúde
promovidos pelo seu consumo. Da parte do
governo federal surgiram propostas de facilitação de créditos, prorrogação de
dívidas e diminuição de alguns tributos.
Como sempre, remédios
absolutamente ineficazes; pior do que isto, geradores de ainda novas
distorções, as quais demandarão novas medidas de contenção dos indesejados
efeitos colaterais, gerando assim uma insana e infindável espiral intervencionista
de insucessos.
Vamos lá,
detalhadamente: pra começar, no que me aconselha a prudência a não tomar o
lugar de um nutricionista, declino da tarefa de especular o efeito alimentar
para as crianças da rede escolar que serão submetidas a tal esperável monotonia
em seus cardápios. Porém, do ponto de
vista psicológico, ou ainda do mero bom senso, não há quem aguente ingerir
carne suína permanentemente, isto sem falar das que não gostam, não consomem
por motivos religiosos, e das que não podem consumir por motivo de alergia.
No meu tempo
como aluno da Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante, passei por
uma situação semelhante, de modo que não me é difícil imaginar o cenário a
porvir: naquela época, o governo do então presidente José Sarney se negava a
pagar ágio pela carne bovina cujo preço havia sido congelado por meio do plano
Cruzado, de modo que só nos era servido peixe, dia após dia (Arre!). Consequentemente, depois de algum tempo, já
recusávamos as piscosas porções antes mesmo de nos serem servidas, as quais
possivelmente iam acabar parando no lixo.
À parte do
empobrecimento não monetário da qualidade de vida dos alunos da rede pública de
ensino catarinense, frise-se que uma preferência pela carne suína na merenda
escolar só pode ser efetivada por uma concomitante preterição dos outros
produtos de origem animal, com injusto prejuízo para os respectivos produtores,
resultando afinal que a ação promete ser absolutamente ineficaz do ponto de
vista econômico (conquanto o possa ser do político, ou melhor, do politiqueiro...)
Com relação às
campanhas midiáticas, difícil imaginar algo que seja mais nonsense! De partida, é extremamente injusto, senão ilegal ou
inconstitucional, que o governo pague por propaganda para beneficiar cidadãos
particulares com o dinheiro dos impostos tanto de consumidores quanto de não-consumidores
de carne suína; complementarmente, a medida teria o mesmo resultado que
disparar um tiro no ar, já que não se trata de um problema relacionado à
rejeição da carne suína pelos consumidores, mas sim pela impossibilidade ou
dificuldade destes de encontrá-la nas gôndolas e balcões frigoríficos,
processada ou não processada.
Já o governo
federal aponta com soluções ainda mais caquéticas do que o estado sulista, vez
que promete encurralar os produtores em uma espiral de endividamentos sem
prover-lhes absolutamente nenhuma saída viável da crise que lhes assola.
Na literatura
internacional, destacam-se os trabalhos de Dominick Armentano, Thomas DiLorenzo
e Mary Bennett Peterson, autores que se empenharam em demonstrar, tanto teórica
quanto empiricamente, que todas as empresas que forma processadas pelas leis
antitruste nos EUA, longe de estarem diminuindo a produção, aumentando o preço
dos seus produtos e serviços e estagnando tecnologicamente, sempre estiveram centradas
em proporcionar ganhos para os seus clientes, o que as fez progredir
tecnologicamente em uma escala inaudita e baixar os preços vertiginosamente;
que o Shermann Act,
a primeira lei antitruste do mundo, nasceu de um lobby de empresários
mercadologicamente incompetentes mas politicamente influentes que geraram incomensuráveis
prejuízos para a sociedade americana, na forma de cotas de participação,
gravames aduaneiros, políticas de preços máximos e de preços mínimos, bem como
programas estatais de estocagem de grãos -- e, pasmem, até mesmo de programas
de subsídios para que fazendeiros NÃO produzissem! Em uma frase genial, a economista Mary Bennett
Peterson sintetizou: "a legislação antitruste não nasceu para proteger a
concorrência, mas os concorrentes!".
Nem só de
concorrência vive o mercado, mas também de cooperação, parcerias e de coordenação.
Muitas vezes, os concorrentes servem,
eles próprios e em conjunto, como fomentadores de um determinado mercado. Como exemplos, lancemos os olhos à rua 25 de
Março, em São Paulo-SP,
ou à rua Teresa, em
Petrópolis-RJ. Nestas
ruas, compreende-se claramente que o aglomerado de concorrentes favorece o
comparecimento da clientela muito mais do que se houvesse um único participante
em cada um daqueles lugares.
Nos seus
delírios macroeconômicos, os economistas apontam-nos irreais modelos de
competição perfeita para defender um cenário de concorrentes atomizados como a
solução para o que afirmam ser desejável, isto é, um (jamais alcançável) "equilíbrio
do mercado". Fogo fátuo! Um único participante de um dado mercado
inteiramente livre de intervenções estatais está mais sujeito à concorrência do
que uma dúzia de comensais em um sistema de mercado autarquizado, pois a
qualquer momento podem candidatar-se novos participantes, seja com produtos
semelhantes, seja com soluções totalmente inovadoras, tal como Mary Bennet
Peterson muito bem elucidou-nos:
Quem de fato
pôs o ferreiro da vila fora do mercado, ou, mais recentemente, o fez com o
vendedor de gelo, ou, ainda mais recentemente, com o doceiro da esquina? Muitos podem estar inclinados a dizer que
estes empreendedores de outra era foram economicamente vencidos pelos gigantes
de Detroit, pelas grandes empresas de utilidades públicas, Westinghouse e
General Eletric, pelas redes de alimentos A&P, Safeway, Grand Union e por outros
grandes conglomerados. Eu argumentaria,
ao contrário, que o real algoz do vendedor de gelo foi o consumidor -- a pessoa
que comprou um refrigerador elétrico ou a gás. (PETERSON, Mary Bennett. The
regulated consumer. The Ludwig von Mises Institute, Auburn Alabama,
2007).
Assim tem sido
com a Brasil Foods, um empreendimento que só terá condições de competir com
gigantes globais se munir-se dos ganhos de escala advindos da fusão, o que
promete servir aos consumidores preços mais baratos e produtos de maior
qualidade e mais inovadores.
Causa-me um
desconsolo ter tido conhecimento de que os setores atingidos, mormente o da
produção suína, estejam a pedir de joelhos ao governo por ajuda na forma de
benefícios e privilégios particularizados que nada têm a proporcionar-lhes
senão mais dependência e prejuízos, quando deveriam raciocinar se não estão
sendo vítimas de pretéritas e malogradas ingerências estatais na economia,
sendo o caso especificamente, como os fatos levam a crer, resultantes da
desastrada atuação do CADE. Que este
singelo artigo alimente o debate e sirva como um botão de parada de emergência
para tal vicioso ciclo, eis uma das minhas mais caras esperanças.
Até lá, vou tristemente
recitando "No meio do caminho", de Carlos Drummond de Andrade: "No meio do
caminho tinha uma pedra; Tinha uma pedra no meio do caminho;..."
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