segunda-feira, 22 ago 2011
N. do T.: O artigo a seguir foi adaptado
para a realidade brasileira.
O
governo brasileiro, preocupado com um possível efeito negativo das importações
sobre o nível de empregos na indústria nacional, preparou um pacote de
estímulos, isenções e subsídios à industria nacional — o Plano
Brasil Maior.
Por
trás de toda essa pirotecnia está o velho e, aparentemente, inacabável
temor da desindustrialização e do consequente desemprego gerado pelo livre
comércio e pelas importações chinesas.
Quando
não estão culpando os juros altos, políticos e analistas econômicos sempre
gostam de explicar o aumento do desemprego na indústria com argumentos
protecionistas, os quais estão dentre os mais velhos e mais controversos
argumentos econômicos. O desemprego,
exaltam-se eles, é o preço que pagamos por participarmos de uma economia
globalizada na qual chineses e vietnamitas desempregados ou subempregados estão
dispostos a trabalhar em troca de um salário famélico, o que faz com que o
preço final de seus produtos seja imbatível.
Sendo
assim, o livre comércio, prosseguem eles, passa a ser algo extremamente injusto
para a nossa indústria nacional, a qual não tem condições de concorrer com os
produtos asiáticos — seja porque nossas leis trabalhistas são onerosas, seja
por causa da alta carga tributária, seja por causa do câmbio valorizado, o que
barateia as importações. Consequentemente,
milhões de brasileiros que trabalham no setor industrial são condenados à
indignidade e à privação do desemprego.
A única solução, quando não a manipulação direta do câmbio, é dificultar
ao máximo as importações, impondo tarifas protecionistas e aumentando os
subsídios para a indústria nacional.
Curiosamente,
se o comércio exterior fosse responsável por demissões, o fenomenal aumento das
importações observado nas últimas décadas deveria não só ter desempregado todos
os brasileiros que trabalham na indústria, como também deveria ter aniquilado a
própria indústria nacional. De acordo
com dados do Banco
Central, as importações brasileiras na década de 1950 totalizaram US$ 12,8
bilhões. Na década de 1960, aumentaram
US$ 13,8 bilhões. Na década de 1970,
aumentaram em sete vezes, para US$ 97,2 bilhões. Na década de 1980, com a política da substituição de
importações, o ritmo do crescimento reduziu bastante, aumentando em um fator de
apenas 1,7, indo para US$ 168,9 bilhões. Na década de
1990, o aumento foi de 2,3 vezes, chegando a US$ 390,6 bilhões. E, finamente, de 2000 a 2010, as importações
já passaram de US$ 1,04 trilhão. Se as
importações destroem empregos, então esse aumento de 8.025% desde a década de
1950 deveria ter aniquilado com todos os empregos da indústria nacional.
É
difícil imaginar como seriam nossas atuais
condições de trabalho e nossa atual qualidade de vida caso o governo brasileiro tivesse fechado suas
fronteiras, como defendem os protecionistas radicais e os seguidores da CEPAL. A interrupção do comércio estrangeiro e a
consequente retaliação internacional às nossas importações, em conjunto com o
esmagador fardo tributário e regulatório que nossos sucessivos governos
impuseram à economia, certamente teriam jogado o país em uma profunda
depressão. Com as fronteiras fechadas,
não haveria investimentos estrangeiros.
E sem investimentos estrangeiros, não haveria capital com o qual criar
novas indústrias no Brasil, principalmente as automobilísticas, e não teríamos como importar
todos os bens de capital que hoje são utilizados para aumentar a produtividade
da mão-de-obra e, consequentemente, seus salários. Mais ainda: sem investimentos estrangeiros, não
teria sido possível criar o Plano Real, pois não haveria as necessárias
reservas internacionais para implementá-lo.
O
Brasil estaria paralisado, empobrecido e completamente isolado do processo de
globalização.
Empregos
O
emprego sempre foi e sempre será um fenômeno relacionado à produtividade e ao
custo da mão-de-obra. Em uma economia de
mercado, tanto em épocas de crescimento quanto em momentos de recessão, a
demanda por uma mão-de-obra que faça contribuições positivas sempre será ilimitada. Aquela mão-de-obra que custa mais do que pode
produzir — seja ela não-qualificada ou seja ela detentora de três diplomas —
não possui nenhuma demanda. Do ponto de
vista dos potenciais empregadores, ela é absolutamente "improdutiva". Isso é válido para atores de cinema e para
administradores, para analistas de sistemas, programadores de softwares,
engenheiros de automação e cientistas aeronáuticos. Se Ph.D.s em matemática não estão conseguindo
encontrar empregos, é porque seus potenciais empregadores acreditam que eles
são bastante "improdutivos" considerando-se o custo total de sua mão-de-obra em
relação à sua produtividade.
Boa
parte da mão-de-obra que possui diploma universitário está desempregada porque
está fora de sintonia com o mercado de trabalho. São pessoas que foram educadas de acordo com
currículos formulados por burocratas do Ministério da Educação e fartamente
financiadas por impostos. Não estão
acostumadas a cobranças e à realidade do mercado. Sob esse arranjo, vários diplomados estão
extremamente mal equipados para ocupar empregos úteis. Daí o apagão da mão-de-obra qualificada e o
crescente aumento de pessoas diplomadas trabalhando em empregos fora da área em
que formaram; empregos estes (teoricamente) abaixo de sua qualificação.
Em
praticamente todos os setores da economia, os empregadores fornecem cursos de
treinamento para aumentar o conhecimento e a produtividade de seus contratados,
pois estes saíram das universidades sem saber nada. Porém, tais empregadores não ofertarão tais
programas de treinamento caso os custos destes
sejam proibitivos em relação ao que o trainee pode produzir, de modo que os resultados
finais do treinamento sejam insuficientes para cobrir as despesas do processo.
Os
empreendedores de sucesso estão continuamente se ajustando às alterações na
demanda, na oferta, na tecnologia, nos custos de transporte, nos custos da
mão-de-obra e do capital, nas regulamentações e nos obstáculos governamentais,
nos impostos, na burocracia, na concorrência doméstica e internacional. Cada indivíduo inserido na ordem de mercado
está sob pressão para se ajustar a essas mudanças e, com isso, se manter
produtivo. É claro que ele também é
livre para ignorar as pressões; a datilógrafa pode perfeitamente continuar
querendo apenas teclar sua máquina de escrever.
O que ela não pode é insistir que ela seja subsidiada por outros
trabalhadores e empregadores. O mesmo é
válido para um engenheiro aeronáutico graduado com honras no ITA e que sabe
construir grandes aviões militares. Em
épocas de guerra e de preparações para a guerra, seus serviços estarão sob forte
demanda. Em épocas de paz, ele terá de
aprender atividades mais pacíficas. Ele
não possui o direito natural de viver à custa do trabalho alheio.
A
concorrência internacional é tão benéfica quanto a concorrência doméstica. De um lado, ela obriga os vendedores a
superarem seus concorrentes, forçando-os a oferecerem bens e serviços melhores
e mais baratos; de outro, ela obriga os consumidores a também superarem seus
concorrentes (os outros consumidores), forçando-os a terem a
disponibilidade de pagar preços maiores.
Tarifas
protecionistas e outras restrições ao comércio exterior geram o efeito
totalmente oposto: elas criam reservas de mercado, permitindo que produtores
protegidos ofereçam produtos inferiores a preços mais altos. Elas distorcem a cadeia produtiva, pois seus
incentivos tortos, criados por burocratas, fazem com que a produção muitas
vezes tenha de sair de lugares em que as condições naturais para a produção são
mais favoráveis e vá para lugares em que as condições são menos
favoráveis. Elas afetam a distribuição
da mão-de-obra, a qual abandona aquelas indústrias exportadoras que operam sob
forte ambiente concorrencial, e que pagam salários mais altos, e vai para as
indústrias protegidas, que geralmente pagam salários mais baixos. Em suma, as restrições ao livre comércio
afetam a produção e, consequentemente, reduzem o padrão de vida.
A
competitividade de uma empresa tanto no mercado doméstico quanto no mercado
internacional é determinada pelos seus custos totais, dentre os quais os custos
da mão-de-obra (com seus encargos
sociais e trabalhistas) são apenas um dos componentes. Em indústrias intensivas em capital, como a
farmacêutica, a química, a aeronáutica, a siderurgia e a indústria de
maquinários, o custo do capital tende a determinar a competitividade. Essas indústrias não concorrem com os produtos chineses, e seus maiores obstáculos
são as regulamentações governamentais sobre as importações de bens de capital,
bem como a carga tributária sobre tais bens. Já nas indústrias intensivas em mão-de-obra, o
custo total da mão-de-obra é decisivo, e aqui a concorrência chinesa é
forte. Porém, novamente, o maior
empecilho a estas indústrias está nos obstáculos criados pelo governo, como a
carga tributária e os encargos trabalhistas, nos quais o
Brasil é nº 1 do mundo, muito acima da média dos países europeus.
Ademais,
se um empreendedor comprar uma máquina para aumentar a produtividade dos seus
empregados, ele terá de arcar com ICMS, PIS e COFINS, o que faz com que o
investimento fique onerado em até 36%, somente por causa desses impostos.
Quanto mais longa a cadeia produtiva, mais acumulados ficam os impostos.
A questão das importações
Se
as importações chinesas estão "tomando mercado" dos produtos
brasileiros é porque os consumidores brasileiros estão voluntariamente mostrando que preferem aqueles produtos (talvez por
serem mais baratos) aos produtos brasileiros.
E é isso que políticos, analistas econômicos e empresários
mercantilistas não querem aceitar. O que
eles querem, na verdade, é um decreto governamental que proíba os consumidores
brasileiros de exercerem livremente suas preferências no mercado. No extremo, querem que os brasileiros sejam
obrigados a comprar apenas os bens produzidos nacionalmente.
Até
onde se sabe, não há agentes terroristas a soldo do governo de Pequim agindo
livremente no Brasil, apontando uma arma para os brasileiros e obrigando-os a
comprar seus produtos. Se os consumidores brasileiros voluntariamente
optam por consumir produtos chineses, é porque algum atrativo estes devem
ter. Se não tivessem, não seriam consumidos. Afinal, por via de
regra, um indivíduo só pratica uma transação voluntária quando ele acha que a
troca lhe trará benefícios.
Tarifas
sobre produtos chineses afetam os mais pobres de maneira muito mais cruel e
direta do que os ricos. Encarecer artificialmente produtos importados
apenas para agradar empresários com boas conexões políticas é um ato no mínimo
criminoso. Proibir que os mais pobres tenham acesso a produtos baratos
com a desculpa de se estar protegendo a indústria nacional é, com muita boa
vontade, um argumento ridículo e imoral.
Afirma-se
também que o câmbio está excessivamente apreciado, e que isso está
artificialmente estimulando a importação.
Outro argumento sem sentido. As
empresas que reclamam estar sofrendo "competição desleal" por causa
do dólar barato poderiam muito bem se aproveitar desse dólar barato e importar
bens de capital que ajudariam a aumentar sua produtividade e, consequentemente,
a diminuir seus preços. Com preços mais baixos, a qualidade dos bens que
produzem poderia até ser mantida, pois isso já seria suficiente para concorrer
de igual pra igual com os chineses.
Alguns
poderiam contra-argumentar dizendo que preços menores fariam com que os lucros
caíssem, o que obrigaria as empresas a reduzir investimentos, cortar a produção
e demitir. Mas eles esquecem que a lucratividade não é determinada pelo
número absoluto de reais obtidos; lucratividade é uma questão de margens.
Se os preços caem, mas os custos de produção também caem na mesma medida, então
a margem de lucro permanece constante. Porém, como uma diminuição de
preços resulta em um maior volume de vendas, essa margem de lucro constante irá
gerar maior lucratividade por causa do maior volume de vendas. Muito mais
bens são vendidos a $100 do que a $150, por exemplo. Assim, a receita que
foi perdida por unidade vendida é mais do que compensada pelo maior volume de
vendas.
Mas
ao invés de utilizar seu dinheiro para modernizar suas empresas e ganhar
lucratividade, os empresários mercantilistas preferem gastá-lo fazendo lobby em
Brasília, já que a pressão política traz resultados mais rápidos, mais baratos
e, melhor de tudo, evita os árduos esforços exigidos pelo mercado.
Por
fim, um argumento aparentemente válido é o de culpar os altos custos
trabalhistas impostos pelo governo, o que retira dinamismo e capacidade de
investimento em comparação às indústrias chinesas. Isso é verdade, como
mostramos acima. Mas por que então não atacar justamente esse
ponto? Não é justo e tampouco há qualquer argumento econômico para
penalizar aqueles que nada têm a ver com a situação, obrigando-os a comprar
produtos mais caros. Ao passo que o livre comércio gera riqueza — pois
podemos adquirir produtos mais baratos daqueles que os fabricam com mais
eficiência —, sua proibição significa a necessidade de utilizar mais recursos
para produzir menos riqueza. No final, todos perdem com esse desperdício
(exceto os protegidos, como ocorreu com vários setores da economia brasileira
durante a década de 1980).
Além
de ridículo, o argumento protecionista é também imoral porque nenhum político,
burocrata ou empresário tem o direito de definir o que um indivíduo pode
comprar, de quem ele pode comprar e a que preço ele pode comprar. Se
damos ao estado o direito de escolher essas variáveis, então já não mais
estamos no controle de nossas vidas. Nosso arbítrio não mais é livre e
não mais nos pertence.
Conclusão
O
protecionismo subsidia o ineficiente e tende a agravar a ineficiência, não
importa se a indústria protegida é infante ou madura. Tarifas de importação fazem também com que as
administrações incompetentes não sejam punidas pelo mercado, que os custos de
produção não sejam controlados (o que provoca o desperdício de recursos
escassos) e que haja inúmeras concessões aos sindicatos. O resultado, no longo prazo, será uma indústria
perpetuamente não competitiva — como foi a indústria automotiva brasileira até
os anos 1990. Apenas a livre
concorrência pode fazer com que uma empresa ou indústria se mantenha
permanentemente competitiva — ou quebre.
Àqueles
que creem que adotar tarifas protecionistas é necessário para proteger e
melhorar a eficiência das indústrias — por mais paradoxal que seja acreditar
que a melhor maneira de levar eficiência a um setor é protegendo-o da
concorrência —, ficam as seguintes perguntas: Tarifa de quanto? Por que
tal valor? Por que não um valor maior ou menor? Por quanto tempo
deve durar tal tarifa? Por que não um tempo maior ou menor? Qual
setor deve ser protegido? Por que tal setor e não outro? E,
finalmente, por que o segredo para a eficiência é a blindagem da concorrência?
Àqueles
que defendem subsídios diretos via BNDES, as perguntas acima também se
aplicam. Como é possível alguém achar que despejar subsídios em empresas
fará com que elas se tornem mais produtivas?
A
única medida que estimula a produtividade e a inventividade chama-se
concorrência. Qualquer política que proteja um determinado setor da
concorrência de outros irá apenas perpetuar a ineficiência deste.
Livre
comércio é, por definição, um comércio justo.
Aqueles que o negam para os outros não merecem tê-lo para si próprios.