quinta-feira, 16 fev 2012
Ontem,
dia 15/02/2012, saiu no telejornal Bom Dia Brasil que o governo decidiu
sobretaxar os cobertores vindos do Paraguai e do Uruguai, que na verdade são
chineses.
De
fato, os cobertores chineses já vinham recebendo uma sobretaxa resultante de
uma medida de "defesa comercial" erguida sobre a acusação de que são oferecidos
ao mercado doméstico sob preços bem mais em conta do que os concorrentes
nacionais, o que para o empresariado nacional e os burocratas da Secretaria de
Comércio Exterior significa a prática de "comércio desleal".
Usando
da criatividade, os exportadores fizeram uso das facilidades artificiais
criadas pelo Mercosul, que concede privilégios aduaneiros aos dois países
vizinhos, de modo que com pequenas modificações seus produtos passaram a constar
como se tivessem sendo produzidos lá.
Pelo
imbróglio, bem se vê o quanto o estado cria os próprios mecanismos de
deturpação do bom funcionamento do mercado.
Em
uma declaração que não consigo decifrar se é cínica, porque voltada aos
brasileiros, ou patética, se dirigida aos próprios chineses, o senhor
vice-presidente Michel Temer, que representou o governo brasileiro durante a
segunda reunião da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e
Cooperação (Cosban), pediu na segunda-feira (13-02-2012) que os chineses façam
um "dimensionamento voluntário das exportações" para o Brasil,
principalmente em setores sensíveis. "Nos preocupamos com o aumento maciço
e indiscriminado de produtos chineses no mercado brasileiro e somos obrigados a
registrar que ocasionam deslocamentos da produção brasileira", discursou
Temer para a comitiva chinesa.
Imagine
alguém pedir a um comerciante que lhe venda um pouco menos. O que pode ser mais bizarro?
Vamos
agora ao que interessa: os chineses estão nos vendendo cobertores baratos. Como
isto pode tornar os brasileiros mais pobres? Visualize você próprio ganhando um
cobertor de presente e reflita se você ficou mais pobre ou mais rico.
A
verdade é que importações de produtos mais baratos fazem com que o padrão de
vida de todos os brasileiros aumente, de modo que o dinheiro economizado poderá
ser utilizado em outros fins, inclusive em investimentos produtivos.
Peço
prestar atenção agora ao linguajar político-estatal, este cujas palavras são as
mesmas do nosso vernáculo, mas com significados bem distintos, para traduzirmos
corretamente o que se quer dizer por "defesa comercial", "práticas desleais",
"condições não-adequadas" e "proteção da indústria nacional":
"Estamos
especialmente atentos a práticas ilegais e desleais que, de alguma maneira,
permitem que produtos importados estejam competindo em condições não adequadas
com os produtos e bens produzidos pela indústria brasileira", afirma
Tatiana Prazeres, secretária de comércio exterior do Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. (fonte acima)
Certamente,
ao sobretaxar o produto importado, o governo consegue fazer com que este se
nivele ao bem fabricado nacional. O que ele não fala — porque politicamente
não interessa — é que tal nivelação se dá por cima, isto é, de forma que
resultem preços mais caros ao consumidor. Em outras palavras, o governo decide
prejudicar toda a população brasileira para suposta ou alegadamente defender um
único setor industrial — e sem ter de promover nenhuma renúncia fiscal, claro.
Ademais,
esta medida traz como consequência o encarceramento em cativeiro da indústria
doméstica, já que as condições agora consideradas adequadas existem somente em
solo pátrio. Além disso, traz também o desestímulo ao desenvolvimento
tecnológico e à eficiência da indústria, que se torna acomodada e relaxada em
sua posição de relativo conforto. Este filme já rodou diversas vezes na
história e nunca aprendemos com ele.
O
fato é que os produtos chineses poderiam encontrar em nosso mercado interno
produtores compatriotas em condições de oferecer concorrência — com grande
ganho para os consumidores — se nossa carga tributária e nossa burocracia não
constituíssem obstáculos praticamente intransponíveis.
Entretanto,
para o governo, isto está fora de cogitação.
Não querendo abrir mão de todos os ovos da galinha, sequer deixa ao
menos um, de indez; igualmente, também está fora de questão abdicar de legislar
casuisticamente, sempre fazendo política com o patrocínio dos privilegiados e perseguindo
desafetos.
A
seu turno, a própria indústria objeto da medida de salvaguarda comercial não
tem interesse em promover uma mitigação fiscal e uma racionalização da
burocracia, vez que não quer se submeter ao processo de ampla concorrência. O
que ela visa é justamente aquela proteção que lhe permita praticar os preços
mais altos.
Percebam
os leitores como aparecem as manchas, as sujeiras e os encardidos ao revirarmos
ao avesso os discursos com que o governo e o empresariado encostado (os "fatcats"
ou gatos gordos) se vestem. "Defesa
Comercial"? A sobretaxação de cobertores importados chineses favorece os
empresários encostados e a manutenção da carga tributária, enquanto prejudica
severamente os consumidores, especialmente os mais pobres.
É
função da população e das entidades representativas dos consumidores atacar
este estado de coisas. É função de uma verdadeira oposição refutar e combater
tais medidas protecionistas, para o bem, a justiça e o desenvolvimento de todos.
__________________________________________
Leia
também: A filosofia da
miséria e o novo nacional-desenvolvimentismo do governo brasileiro