segunda-feira, 8 dez 2014
Nota do IMB
Um
dos efeitos mais diretos e imediatos da recente alteração
da Lei de Diretrizes
Orçamentárias — que, na prática, se traduz em déficits maiores — poderá ser observado na inflação de preços.
Dado
que os déficits no orçamento do governo (sejam eles primário ou nominal) são
financiados pela emissão de títulos do Tesouro, e dado que esses títulos do
Tesouro são majoritariamente comprados pelos bancos por meio da criação de
dinheiro, temos que os déficits do governo são uma medida inerentemente
inflacionária.
Será
difícil reduzir a atual inflação de preços se o governo não equilibrar seu
orçamento.
No
entanto, os déficits possuem outro efeito pernicioso, de cunho ético, e que é
pouco discutido. Uma vez que um déficit
orçamentário gera um aumento da dívida pública, e dado que essa dívida pública
terá de ser arcada pelas gerações futuras (via juros e amortizações), fica a
pergunta: qual a moralidade de legar para as gerações futuras o fardo dessa
dívida?
Um
endividamento gera benefícios presentes, mas ônus futuros. O governo, ao se endividar hoje e legar a
fatura para as gerações futuras, está simplesmente beneficiando a si próprio e
a seus grupos favoritos (funcionários públicos e grandes empresários ligados ao
regime) à custa do bem-estar de toda uma geração futura (você próprio quando
estiver mais velho, seus filhos e seus netos).
Qual
é a moralidade desse arranjo?
_________________________________________
Paul
Krugman e outros defensores do aumento dos gastos governamentais alegaram recentemente que
comparar a dívida do governo à dívida de um indivíduo ou de uma empresa é
errado.
Ao
contrário dos moralistas, que não querem aumentar as dívidas a serem pagas
pelas gerações futuras, Krugman e seus aliados alegam que a dívida
governamental per se não representa
nenhum fardo para as gerações futuras como um todo. Afinal, nossos
descendentes irão "dever para eles próprios" — ao menos se
desconsiderarmos a dívida externa, é claro.
Sendo
assim, quaisquer impostos que forem aumentados ou criados para pagar o serviço
desta dívida (juros e amortizações) irão simplesmente fluir para os bolsos
daqueles cidadãos que estiverem de posse dos títulos da dívida. Com isso,
Krugman argumenta que a "dívida nacional" não é apenas um passivo,
mas também um ativo. Quanto maior a dívida, portanto, mais rico o país.
Um
argumento que já seria o bastante para encerrar esta discussão é o fato de que,
quanto maior a dívida, maiores os gastos do governo apenas com os juros desta
dívida. E maiores ainda serão os gastos para amortizar os títulos
vincendos. Isto faria com que uma enorme fatia dos impostos arrecadados
fosse utilizada apenas para pagar encargos da dívida. Tal situação
equivaleria a uma maciça transferência de renda de pagadores de impostos para
portadores de títulos. Alguns iriam ganhar, outros iriam perder.
Como
sempre disse Murray Rothbard, a frase "nós devemos a nós mesmos"
possui profundas implicações: tudo depende de se você faz parte do
"nós" ou do "nós mesmos".
Mas
há outros problemas também. Um deles é que tal ponto de vista krugmaniano
ignora o fato de que déficits do governo retiram recursos do setor produtivo,
desviando-os para ineficientes gastos estatais. Quando o governo incorre
em déficits e emite títulos para financiar estes déficits, tais títulos, embora
sejam comprados majoritariamente por bancos, também são comprados por empresas
ou por indivíduos que, caso contrário, poderiam estar aplicando seu capital em
investimentos produtivos.
Empresas
e indivíduos, que poderiam direcionar seu dinheiro para atividades mais
produtivas, preferem direcioná-lo para a compra de títulos do governo, desta
maneira privando a economia de um capital que poderia ser investido em
atividades que aumentariam a oferta de bens e serviços em toda a economia.
Ou
seja, quando o governo vende títulos, ele faz com que aquele dinheiro que de
outra maneira estaria indo para investimentos privados seja canalizado para o
financiamento da máquina burocrática.
Desta forma, déficits governamentais retiram recursos de investimentos privados
e os desviam para gastos escolhidos de acordo com politicagem.
Déficits,
portanto, fazem com que as gerações futuras tenham à sua disposição uma menor
oferta de tratores, escavadeiras, máquinas, ferramentas e outros equipamentos,
reduzindo assim sua capacidade de produzir mais bens. Consequentemente,
estas futuras gerações estarão potencialmente mais pobres.
Além
deste efeito negativo sobre o investimento físico em bens de capital, o
economista James Buchanan demonstrou que há outra maneira de mostrar como os
atuais déficits orçamentários de um governo podem empobrecer as gerações
futuras. Uma vez que entendemos que "a nação" é composta por diferentes
indivíduos que surgem em vários pontos distintos do espaço e do tempo, que
vivem durante períodos de tempo variáveis e não homogêneos, e então morrem,
dizer que "nós devemos para nós mesmos" é uma completa falácia.
Repetindo,
Buchanan aponta para um efeito que vai muito além do fato de que os déficits
governamentais de hoje tendem a reduzir o investimento privado. Mesmo se
supuséssemos que todo o déficit governamental atual fosse pago por meio de uma
redução no consumo privado — de modo que estaríamos deixando para as futuras
gerações o mesmo estoque de bens de capital —, ainda assim nossos descendentes
(como um todo) estariam em pior situação (relativamente mais pobres, ou menos
ricos do que poderiam) em decorrência desta política de déficits.
Para
entender como isto funciona, imagine que o governo atual — isto é, no ano de
2015 — anuncie que irá gastar $100 bilhões dando uma festa de arromba.
Tudo o mais constante, as pessoas vivas em 2015 irão adorar este surto maciço
de consumo. No entanto, se o governo impusesse tributos sobre as pessoas
em 2015 para pagar por esta festa, elas certamente iriam se revoltar. E
nenhum governo quer isso. Muito mais confortável é apenas emitir títulos
da dívida, que serão voluntariamente comprados por algumas pessoas no presente,
e jogar o fardo do pagamento dos juros e do principal para as gerações futuras.
Mais
especificamente, suponha que o governo, em vez de elevar impostos, emita
títulos que irão vencer daqui a cem anos, e os quais serão vendidos agora àquelas
pessoas que oferecerem os melhores preços de compra.
Supondo
que os investidores confiem no governo e que a taxa de juros nominal de longo
prazo seja acordada em 4,7%, o governo irá então emitir uma nota oficial com a
seguinte declaração: "No ano de 2115, o governo irá fazer uma contagem de
quantos pagadores de impostos existem no país. Ato contínuo, o governo
irá tributar cada um destes x cidadãos com um imposto per capita de $10
trilhões/x. Esta receita tributária de $10 trilhões assim coletada será
entregue a todas as pessoas que porventura estejam de posse deste pedaço de
papel naquele momento."
O
valor de $10 trilhões nada mais é do que $100 bilhões com juros de 4,7% ao ano
durante cem anos.
Neste
exemplo, a dívida será quitada — juros e principal — de uma só vez em 2115.
Ou seja, o governo em 2015 irá levantar, via emissão de dívida, $100 bilhões —
o valor presente descontado do pagamento de $10 trilhões que só irá ocorrer
daqui a cem anos — e com isso pagar por sua festança.
Neste
cenário, um leigo estaria correto em dizer que a atual geração fez a sua farra
e jogou toda a conta para os infelizes cidadãos de 2115. Os pagadores de
impostos em 2115 terão de entregar $10 trilhões para alguns de seus
concidadãos. No entanto, esta observação ainda não encerra por completo a
análise.
O
motivo é que aquelas pessoas que em 2115 estiverem em posse dos títulos da
dívida, e que portanto estarão recebendo os $10 trilhões, não irão receber este
dinheiro de graça. Ao contrário, tais pessoas compraram estes
títulos alguns anos atrás e pagaram por eles o valor presente descontado de $10
trilhões. Portanto, quando fazemos a contabilidade corretamente,
entendemos que, além de os pagadores de impostos em 2115 serem claramente
prejudicados (afinal, terão de pagar $10 trilhões em impostos), esta sua perda
não se traduz em um ganho idêntico para os portadores dos títulos. É por
isso que esta geração como um todo estará mais pobre em
decorrência da festança que as pessoas de 2015 deram.
Esta
conclusão crítica merece ser enfatizada.
Considere
um indivíduo que está de posse de um dos títulos da dívida (cujo valor de face
é de $1.000) em 2115. Talvez esta pessoa tenha comprado este título de
outra pessoa no ano anterior (em 2114) por $955. Ao receber os $1.000,
ela estará auferindo juros de 4,7%. Os $1.000 que ele receber em 2115 não
irão constituir um ganho líquido para esta pessoa, pois a maior fatia destes
$1.000 — isto é, os $955 — será apenas a devolução do principal que ele pagou
no ano anterior.
O
real benefício para esta pessoa em toda esta operação seria ela receber uma
taxa de juros mais alta do que a que ele receberia caso emprestasse seus $955
para o setor privado. Portanto, esta pessoa poderia considerar que toda
esta operação de tributar-e-distribuir em 2115 lhe valeu, por exemplo, apenas
$5.
É
a este benefício líquido de $5 (aproximadamente) para o portador do título que
os $1.000 em impostos coletados deve ser contrastado. Em outras palavras,
o pagador de impostos individual (responsável por um décimo-bilionésimo da
fatura de $10 trilhões) ficará com $1.000 a menos, ao passo que o portador do
título para quem o dinheiro é transferido irá ganhar apenas $5.
Agora,
se nos concentrarmos em um outro portador de título — por exemplo, alguém que
tenha comprado o título no ano de 2085 —, então seu ganho seria maior do que
$5, pois ele auferiu taxas de juros acima das de mercado por um período mais
longo. Ainda assim, a única maneira de uma perda de $1.000 para um
pagador de impostos ser identicamente contrabalançada por um ganho de $1.000
para um portador de título seria se este portador houvesse adquirido o título
gratuitamente. Isto poderia acontecer com crianças que herdam títulos de
seus pais. Mas é só.
Qualquer
outra pessoa que utilize dinheiro próprio para adquirir uma fatia daquele
enorme título de $10 trilhões não irá obter ganhos idênticos às perdas dos
pagadores de impostos. Seu ganho será muito menor. Logo, o grupo
"pessoas vivas em 2115" estará coletivamente mais
pobre em decorrência deste esquema.
Por
outro lado, consideremos a geração original, aquele que deu a festança.
Sim, houve investidores em 2015 que tiveram de reduzir seus gastos em um total
de $100 bilhões em decorrência de terem comprado os títulos emitidos pelo governo.
Porém, à medida que o tempo foi passando, eles poderiam ter vendido seus
títulos (um ativo financeiro) para investidores mais jovens, e utilizar os
fundos assim conseguidos para financiar suas aposentadorias. Assim, os
investidores de 2015, se considerarmos sua renda vitalícia, de fato não
perderam nada com este negócio, o qual foi totalmente voluntário para eles.
Para
resumir: em 2015, várias pessoas vivas ganharam e ninguém perdeu, ao passo que,
em 2115, as pessoas vivas sofreram perdas que sobrepujaram os ganhos
totais. E isto é verdade mesmo se considerando que, em 2115, "as
pessoas deviam $10 trilhões para elas mesmas".
Déficits
orçamentários nada mais são do que um enorme esquema de roubo que ocorre ao
longo do tempo por meio do mercado financeiro e de títulos do governo.
Déficits orçamentários permitem que os cidadãos de hoje financiem benesses
governamentais jogando a conta para gerações futuras, as quais não têm nenhum
poder de influência nas decisões políticas atuais.