quinta-feira, 10 0aio 2012
Talvez
você, leitor, já tenha se espantado, como eu venho me espantando repetidamente
ao longo dos anos, em relação à maneira como certas argumentações são
forjadas. Um jornalista, escritor ou
debatedor qualquer reconhece que há uma diferença de visões acerca de uma
determinada questão: A afirma X, e B afirma Y.
Entretanto, embora tal diferença de visões seja admitida, a questão é
resolvida concluindo-se que X deve ser verdadeiro porque B não demonstrou
empiricamente que Y é um fato.
Consequentemente, chega-se a uma conclusão simplesmente supondo-se que
não é necessário aplicar a A o mesmo ônus da prova imposto a B.
Libertários
constantemente lidam com esta situação quando argumentam contra a oferta estatal
de um bem ou serviço que o governo atualmente esteja ofertando. Libertários podem argumentar, por exemplo,
que empresas privadas podem fornecer serviços de segurança de melhor qualidade
ou a um custo mais baixo do que os serviços fornecidos pela polícia
estatal. Ato contínuo, os críticos
apenas declaram que os libertários estão errados, observando que eles, os
libertários, não ofereceram provas conclusivas para seu argumento. Os críticos algumas vezes também chegam ao
cúmulo de alegar que, se o fornecimento privado de determinados serviços fosse
realmente melhor que o estatal, então ele já estaria em vigência,
convenientemente ignorando as várias maneiras nas quais o governo restringe,
sobrecarrega, regula ou simplesmente proíbe a concorrência privada.
Até
mesmo debatedores que se pretendem ostensivamente imparciais sempre acabam
jogando o ônus da prova sobre aqueles que desafiam o status quo, seja o debate
nas ciências, na política, na economia ou em qualquer outra área em que a
ortodoxia seja dominante ou em que instituições já consagradas mantenham um
monopólio. Este viés ajuda a preservar
justamente aquelas instituições que já consolidaram sua influência e poder,
independentemente de como elas alcançaram seu atual domínio. Foi por isso que o modelo heliocêntrico dos
movimentos planetários só conseguiu substituir o modelo geocêntrico mais de um
século após ser descoberto, uma vez que Kepler, Copérnico, Galileu, Newton e
outros tiveram de meticulosa e esmeradamente demonstrar a superioridade de sua
concepção em relação ao consolidado sistema derivado de Ptolomeu (90 — 168
d.C.).
Da
mesma forma, o estado-nação moderno vem se mantendo como uma consolidada e bem
estabelecida instituição há séculos, e durante esta era ele aumentou seu
tamanho, seu alcance e seu poder imensamente.
As pessoas hoje estão acostumadas às atuais e enormes dimensões do
estado, ao seu poder legislador, regulamentador, controlador e de decisão, e
elas têm enormes dificuldades em imaginar como arranjos alternativos poderiam
funcionar. Donde as atuais discussões
políticas se limitam a ridículas minúcias sobre quais as melhores políticas
para mover o estado de A a B, sendo que ambos os pontos estão a apenas
centímetros do totalitarismo. Já os
libertários que propõem recuar o estado, por exemplo, alguns meros quilômetros
para trás — um ponto ainda muito longe do objetivo da total liberdade —
simplesmente são ignorados e jamais são ouvidos.
Quem são os utópicos?
Os
críticos dos libertários frequentemente asseveram que eles, os libertários, são
apenas seres utópicos em busca do impossível, ignorando o fato de que o
estado-nação em seu formato moderno não é exatamente algo que sempre existiu
desde o Big-Bang. Mais ainda: ignoram a
inescapável contradição de que suas atuais esperanças colocadas no atual
formato do estado — um arranjo institucional nascido do roubo e da espoliação,
e sustentado pela contínua extorsão de seus súditos — é que atestam uma
mentalidade muito mais utópica.
Os
defensores do estado convenientemente ignoram todos os crimes necessários e
inevitáveis em que o estado incorre para se manter operante, e muitos ainda
elaboram vários argumentos ad hoc para justificá-los. E a maioria das pessoas simplesmente presume,
sem se dignar a arcar com qualquer ônus da prova, que o sistema estatal vigente
é superior a qualquer arranjo alternativo.
Já os libertários, no entanto, insistem legitimamente em argumentos
racionais, imparciais e baseados em fatos, e não simplesmente na leviana acusação
de que os defensores do estado são sonhadores.
Moralmente
falando, a lógica preconiza que aqueles que defendem arranjos coercivos é que devem
arcar com o ônus da prova. Se o estado é
um arranjo manifestamente superior a uma genuína e voluntária autonomia da
população, então por que ele rotineiramente tem de recorrer ao uso da coerção e
da ameaça de violência para se manter?
Por que ele tem de constantemente nos ameaçar de detenção — e até mesmo
de morte — para obter as receitas necessárias para sustentar suas
atividades? Nenhum empreendimento,
nenhum restaurante ou supermercado, coloca uma arma na minha cabeça para me
transformar em seu freguês. Só o estado.
"Bens" públicos
Obviamente,
a justificativa apresentada pelos economistas convencionais para essa ameaça de
violência estatal contra cidadãos relutantes em sustentar o estado é a de que o
governo fornece um "bem público" universalmente valioso, que é bom para todos
igualmente, e, portanto, tem de recorrer a medidas severas para lidar com os
"caroneiros", aqueles indivíduos que se aproveitam de algo sem pagar por
ele. O problema com este argumento é que
muito pouco — e estou sendo benevolente — do que o estado moderno fornece
satisfaz os critérios de classificação de bem público. O dinheiro da previdência que ele manda para
a vovó não é um bem público, como também não é um bem público o dinheiro dado
aos médicos e a outros prestadores de serviços de saúde, assim como também não
são bens públicos os gastos com professores de escolas públicas para
(des)educar os filhos do meu vizinho. Os
serviços de "segurança" — que servem de principal exemplo de bem público que
"tem" de ser fornecido pelo governo — são, como todos sabem, um exemplo às
avessas da necessidade do envolvimento estatal nesta área. Longe de ser um bem público, a segurança
ofertada monopolisticamente pelo governo sequer pode ser considerada um bem.
A
verdade — acessível para todos aqueles que conseguem pensar fora do quadrado — é
que o estado se ocupa majoritariamente de extorquir a riqueza de seus súditos
para transferir boa parte dela para seus apologistas e para todos aqueles que
têm boas conexões com o poder, retendo boa parte do esbulho para pagar sua
legião de burocratas, reguladores, apaniguados, rentistas e sinecuristas, bem
como sua guarda pretoriana: a polícia e as forças armadas. Todo este aparato não possui nenhuma
superioridade autoevidente sobre quaisquer arranjos alternativos; é o estado,
portanto, quem tem de arcar com o ônus da prova para explicar qualquer medida
que tome. Ademais, é necessário enfatizar
que todas as "provas" professorais regurgitadas por economistas convencionais
sobre a superioridade do arranjo estatal não se sustentam por si sós. Toda esta linha de pensamento tem de ser
descartada como sendo nada mais do que uma mera apologética, e não uma
tentativa séria de se justificar a generalizada e predominante presença do
estado na vida moderna.
Muito
mais poderia ser pontificado sobre este assunto, mas talvez o que foi dito aqui
já seja o suficiente para mostrar que a maneira como se distribui o ônus da
prova é algo absolutamente crucial para a resolução de controvérsias, seja na
ciência, nas políticas públicas ou nas análises econômicas. Mais importante, uma verdade lógica tem de
ser sempre enfatizada: se um arranjo depende da violência ou da ameaça de
violência para se sustentar, então, por definição, tal arranjo possui severas
deficiências morais ou intelectuais. A
força bruta sempre será o recurso daqueles que não podem apresentar um bom
argumento para suas ações. Embora o
estado moderno desfrute o apoio de inúmeros intelectuais e apologistas da
corte, ele depende inteiramente do uso da violência caso seus súditos não
aceitem as desculpas apresentadas para seus crimes.
O
fato de muitas pessoas temerem e odiarem o estado deveria, por si só, ser o
suficiente para indicar que são seus líderes e defensores — e não aqueles que,
como nós, anseiam por liberdade — que têm de arcar com o ônus da prova.