O
filme
Lincoln, de Steven Spielberg,
vem sendo um grande sucesso de bilheteria e ganhou doze indicações para o
Oscar, inclusive de melhor filme, melhor diretor e melhor ator para Daniel
Day-Lewis, que fez o papel do 16º presidente americano. Como não vi o filme, este artigo não será
sobre ele, mas sim sobre o homem que é até hoje endeusado por muitos.
Meu
colega Thomas
DiLorenzo, professor de economia da Loyola University de Maryland, já expôs
vários mitos a respeito de Lincoln em seu livro de 2006, Lincoln
Unmasked. Agora ele acaba de
receber o reforço de Joseph Fallon, analista de inteligência cultural e
ex-instrutor do Centro de Inteligência do Exército dos EUA, com seu novo
e-book, Lincoln
Uncensored. O livro de Fallon
examina 10 volumes compilados de discursos e escritos de Lincoln, os quais
incluem passagens sobre escravidão, secessão, igualdade para os negros e emancipação. Não é necessário se basear na interpretação
de ninguém. Apenas leia as palavras de Lincoln e
veja o que você conclui delas.
Em
uma carta escrita em 1858, Lincoln diz:
Já declarei mil vezes e volto a repetir que é minha firme
opinião que nem o Governo Geral e nem qualquer outro poder externo aos estados
escravagistas podem constitucionalmente ou por direito interferir na escravidão
onde quer que ela já exista.
Em
um discurso proferido em Springfield, Illinois, ele explicou:
Minhas declarações sobre este assunto da escravidão negra
podem até ser deturpadas, mas não podem ser mal interpretados. Já disse que não vejo a Declaração (de
Independência) como sendo uma afirmação de que todos os homens foram criados
iguais sob todos os aspectos.
Debatendo
com o senador Stephen Douglas, Lincoln disse:
Digo, portanto, que não sou, nem jamais fui, a favor de
criar, de qualquer maneira que seja, a igualdade social e política das raças
branca e preta; que não sou, nem nunca fui, a favor de transformar negros em
eleitores ou jurados, nem de habilitá-los a exercer cargos públicos, nem de
permitir seu casamento com pessoas brancas; e direi, adicionalmente, que há uma
diferença física entre as raças branca e preta que, creio eu, irá para sempre
proibir as duas de viverem juntas em termos de igualdade social e política.
E, visto que elas não podem conviver desta forma, enquanto elas
permanecerem em coexistência terá de haver a posição do superior e do inferior,
e eu, assim como qualquer outro homem, sou a favor de que a posição superior
seja atribuída à raça branca. [....] O
que eu mais gostaria de ver seria a separação das raças branca e negra. (Abraham
Lincoln, First Lincoln-Douglas Debate, Ottawa, Illinois, Sept. 18, 1858, in The Collected Works of Abraham
Lincoln vol.3, pp. 145-146;
521).
E então você dirá, "Mas, professor Williams, a Proclamação
de Emancipação publicada por Lincoln libertou os escravos! Isso prova que ele era contra a escravidão!"
Nas palavras do próprio Lincoln:
Vejo a questão [a Proclamação de
Emancipação] como uma medida prática para a guerra [de secessão], algo a ser
decidido de acordo com as vantagens ou desvantagens que ela possa oferecer à
supressão da rebelião. [...] Também irei
admitir que a emancipação irá melhorar nossa situação perante a Europa,
convencendo aquele continente de que estamos sendo impelidos por algo mais do
que a ambição.
Na época em
que Lincoln escreveu a proclamação, a guerra de secessão
estava indo mal para a União. Londres e
Paris já estavam considerando reconhecer os Estados Confederados e estavam
também considerando auxiliá-los em seus esforços de guerra.
Thomas DiLorenzo, em um recente artigo,
apontou que o historiador de Harvard David Donald, vencedor do Prêmio Pulitzer
e um dos mais proeminentes historiadores de Lincoln da atualidade, escreveu em
sua biografia sobre Lincoln (página 545) que Abraham na realidade não teve
praticamente nada a ver com a aprovação da Décima Terceira Emenda,
contrariamente ao que é mostrado no filme de Spielberg. Com efeito, como escreveu Donald, quando
perguntado por genuínos abolicionistas no Congresso se ele iria ajudá-los a
aprovar a Emenda, Lincoln disse que não.
Mas ele, no entanto, se empenhou bastante em tentar aprovar,
em 1861, uma versão de uma outra décima terceira emenda, conhecida como a Emenda Corwin, a qual
visava a consagrar explicitamente a escravidão na Constituição americana. Essa emenda chegou a ser aprovada pelo
Congresso.
A Emenda Corwin proibia o governo federal de interferir,
sob qualquer circunstância, na escravidão do sul dos EUA. A Emanda Corwin dizia:
Nenhuma emenda será feita à
Constituição autorizando ou dando ao Congresso o poder de abolir ou interferir
nas instituições domésticas de nenhum estado, inclusive no que tange às pessoas
mantidas para trabalho ou serviço pelas leis do referido Estado.
"Pessoas
mantidas para trabalho ou serviço" é como a Convenção Constitucional se referia
aos escravos, e "instituições domésticas" se referia à escravidão. Em seu discurso de posse, Lincoln anunciou ao
mundo que ele apoiava a Emenda Corwin:
Entendo que uma emenda proposta à Constituição — emenda
essa que, no entanto, ainda não vi — foi aprovada no Congresso com o propósito
de assegurar que o Governo Federal jamais interfira nas instituições domésticas
dos Estados, inclusive nas pessoas mantidas para trabalho ou serviço . . . .
Considerando que tal provisão resultará em lei constitucional, afirmo que não tenho nenhuma objeção a ela
se tornar manifesta e irrevogável. (Ênfase minha).
Permita-me
introduzi-los agora a Lerone Bennet, Jr., que foi editor executivo da revista Ebony por várias décadas (começando em
1958) e autor de vários livros, entre eles uma biografia de Martin Luther King,
Jr. (What Manner of Man: A Biography of
Martin Luther King) e uma obra monumental sobre Lincoln, Forced into Glory: Abraham Lincoln's
White Dream. Bennet é formado pela Morehouse
College, em Atlanta, e escreveu vários artigos sobre a cultura e a história
afro-americana durante sua carreira na Ebony. Ele passou mais de vinte anos pesquisando e
escrevendo Forced into Glory, uma severa e rigorosa crítica a Abraham
Lincoln baseada em montanhas de fatos e verdades. Segundo Bennet Jr.,
Quem libertou os escravos?
Se é que eles foram de fato 'libertados', isso ocorreu por causa da
Décima Terceira Emenda, a qual foi escrita e pressionada para ser aprovada não
por Lincoln, mas sim pelos grandes emancipadores que ninguém conhece, os
abolicionistas e líderes congressistas que criaram o clima e geraram a pressão política
que incitou, empurrou e finalmente forçou Lincoln à glória ao associá-lo a uma
política à qual ele resolutamente se opusera por pelo menos cinquenta e quatro
de seus cinquenta e seis anos de vida. (Bennett, Jr., Forced into Glory: Abraham Lincoln' s White Dream,
p. 19).
Vale
dizer que a Proclamação de Emancipação não foi uma declaração universal. Ela especificava onde os escravos estariam
livres: somente naqueles estados que estavam "em rebelião contra os Estados
Unidos". Os escravos permaneceram
escravos naqueles estados que não estavam em rebelião — tais como Kentucky,
Maryland e Delaware. A hipocrisia da
Proclamação de Emancipação foi alvo de pesadas críticas. O próprio Secretário de Estado de Lincoln,
William Seward, ironizou: "Mostramos nossa desaprovação à escravidão emancipando
escravos onde nossa jurisdição não é aceita e mantendo escravos onde podemos de
fato libertá-los".
Incoerências
à parte, houve sim um momento em
que Lincoln articulou um ponto de vista sobre secessão que
teria sido muito bem-vindo em 1776:
Quaisquer pessoas, em qualquer lugar do mundo, que estejam
dispostas e tenham o poder para tal, têm o direito de se insurgirem e se
desvencilharem do governo vigente, e de formarem um novo governo que lhes seja
mais apropriado. ... Tampouco está este direito restrito apenas a casos em que
todos os cidadãos devem escolher exercê-lo.
Qualquer fatia de um povo que se sinta capaz pode fazer uma revolução,
se seceder e se apossar de toda a área daquele território em que habitam.
Mas
isso foi dito por Lincoln em 1848 em um discurso na Câmara dos Deputados dos
EUA. Ele se referia à guerra contra o
México e à subsequente secessão do Texas em relação àquele país.
O
que nos leva à grande pergunta. Por que
Lincoln não aplicou aos estados do sul dos EUA essa mesma lógica do direito à
secessão? Por que ele decidiu enviar
tropas federais para massacrar os confederados?
Para chegar à resposta, basta 'seguir o dinheiro'. Ao longo de toda a história dos EUA até o
início do século XX, o governo federal possuía apenas duas fontes de receita:
impostos cobrados sobre a venda de alguns bens específicos (que geravam uma
receita muito baixa) e tarifas de importação.
Durante a década de 1850, as tarifas de importação representavam nada
menos que 90%
de toda a receita do governo federal. E em 1859, os portos dos estados do Sul dos
EUA foram responsáveis por nada menos que 75% do total arrecadado pelo governo federal. Qual político "responsável" aceitaria abrir
mão de tamanha receita?
O
preço desta recusa: 750.000
compatriotas assassinados pelo seu próprio governo.
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Leia também: A "guerra
civil" americana — uma defesa do separatismo sulista