Há
mais de cinco anos, Paul Krugman vem vociferando contra a
suposta austeridade dos países
europeus. Segundo ele, caso os governos
da região não aumentassem imediatamente seus gastos e incorressem em grandes
déficits orçamentários, suas economias estariam condenadas a uma eterna
depressão.
Como
um bom dogmático keynesiano, qualquer economia que opte pela suicida decisão de
poupar mais e não se endividar excessivamente durante uma depressão irá
necessariamente ficar em uma péssima situação: a demanda agregada irá
despencar, as expectativas negativas irão se realimentar e a estagnação irá se
converter em um mal endêmico e insuperável, a menos que haja algum estímulo
estatal.
Este
é, ou deveria ser, o caso da Alemanha: foi com este cenário em mente que o
Nobel americano prognosticou desde o início da recessão, em 2008, que o
austericídio teutônico acabaria levando este país, bem como todo o resto da
zona do euro, ao colapso.
Por
exemplo, em 2010, após Angela Merkel ter aprovado um programa de moderação nos
gastos, Krugman concedeu
uma entrevista à revista Der Spiegel afirmando que "as políticas de ajuste
alemãs não apenas afetam negativamente sua própria economia, como também reduzem
o crescimento de todos os outros países".
O
problema é que, desde então, a evolução vivenciada pela Alemanha foi exatamente
contrária às previsões de Krugman: o PIB de 2013 está no nível
mais elevado de sua história (e 3,4% maior em relação ao pico atingido
antes da crise), e sua taxa de desemprego é a mais baixa (de 5,5%).
À
luz dos dados, algo não se encaixa na teoria keynesiana: a Alemanha, rodeada de
países insolventes e em profunda recessão, se encontra nas melhores condições
econômicas de sua história. A primeira
argumentação a que poderia recorrer algum keynesiano seria a de alegar que a
prosperidade da Alemanha foi construída à custa da depressão do resto da
Europa: mais especificamente, dado que o euro implica taxas de câmbio fixas
entre a Alemanha e os países do sul da Europa, a indústria exportadora alemã se
torna assim capaz de vender quantidades estrondosas a seus parceiros europeus
sem que sua moeda se aprecie e perca competitividade.
Com
efeito, durante os primeiros anos da crise, esta foi exatamente a explicação
apresentada por muitos keynesianos, mas Krugman
está perfeitamente cônscio de que os fatos acabaram por desmenti-la:
especialmente a partir da crise creditícia de 2012, os superávits comerciais da
Alemanha dependem muito menos do resto da Europa e muito mais do resto do
mundo. Em 2012, por exemplo, menos de
10% de todas as exportações
alemãs (e menos de 7,5% de seu superávit comercial) estavam vinculados a
Espanha, Itália, Grécia, Portugal e Irlanda: não é uma cifra desprezível, mas
também não parece ser a chave de sua prosperidade.
Krugman
sabe disso, e exatamente por causa disso ele já criou uma estratégia
alternativa para blindar o dogma keynesiano deste contra-exemplo alemão: agora
ele afirma que, na realidade, a Alemanha
não tem sido um exemplo de austeridade.
Sim,
sei que tal postura soa incrivelmente vigarista, mas é o que acaba de defender
o economista americano. No final de
tudo, segundo Krugman nos relata, a Alemanha foi o segundo país da zona do euro
que menos ajustou seu orçamento entre 2009 e 2013; foram os países do sul da
Europa os que mais arcaram com o fardo dos ajustes e da austeridade, e não a
Alemanha.
É
verdade que o governo alemão não incorreu em grandes ajustes orçamentários
desde 2009, mas o fato é que ele não fez isso por uma razão muito simples: seu
orçamento jamais esteve desajustado, isto é, o governo alemão jamais recorreu
às políticas keynesianas que, segundo Krugman, são o ingrediente essencial para
toda e qualquer recuperação. O governo
alemão não fez reajustes porque não houve desajustes.
Para
comprovar isso, basta efetuarmos uma comparação entre Espanha e Alemanha. Segundo esse novo gibi inventado por Krugman,
a Espanha foi um dos países mais agressivos em termos de aplicação de
austeridade, ao passo que a Alemanha foi um dos menos exigentes. Pois bem: em 2013, o gasto total do governo
espanhol foi 11% maior que o do ano de 2007; o do governo alemão foi de
15%. O déficit orçamentário do governo
espanhol foi de 7% em 2013; o governo alemão obteve um superávit de 0,1%. O governo espanhol elevou seu endividamento
em quase 60 pontos percentuais em relação ao PIB entre 2007 e 2013; o governo
alemão elevou em 15 p.p. (no entanto, ainda mais significativo: desde 2010, o
governo alemão reduziu em dois pontos percentuais sua dívida em relação ao PIB,
ao passo que o governo espanhol a aumentou em 33 p.p.).
Os
dois gráficos a seguir, que mostram a evolução dos déficits orçamentários desde
2007 (o melhor indicador de "estímulo"), exemplificam bem o quão fictícia é a
alegação da "austeridade" espanhola e da "gastança" alemã:

Gráfico
1: evolução do déficit orçamentário do governo alemão: -7,72% do PIB acumulados
desde 2007

Gráfico
2: evolução do déficit orçamentário do governo espanhol: -41,2% do PIB
acumulados desde 2007. (Obs: o déficit do ano de 2013, que foi de 7%, ainda não
foi publicado no gráfico acima).
Em
suma, durante a crise, o governo alemão logrou manter suas finanças públicas
relativamente em ordem; jamais exibiu um déficit superior a 4,5% do PIB e
rapidamente aprovou programas de contenção de gastos para manter sob controle
seu orçamento. Já o "austero" governo
espanhol não apenas sempre apresentou déficits acima de 4,5%, como também
recorrentemente apresentou déficits na casa dos dois dígitos.
Ao
passo que o déficit da — segundo Krugman — nada austera Alemanha é nulo, o
déficit da — segundo Krugman — ultra-austera Espanha é um dos maiores do
mundo.
Se
houve um país que até muito recentemente aplicou políticas keynesianas (e que
em grande medida continua fazendo isso), tal país foi sem dúvida a Espanha, e
não a Alemanha. Os alemães, por mais que
agora Krugman tente ocultar o fato, foram um claro exemplo de austeridade e de
rigor orçamentário durante esta crise.
Como também foram os
países bálticos.
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