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O Muro de Berlim não foi um acidente histórico

A derrubada do Muro de Berlim há 25 anos corre o risco de se converter em uma mera efeméride sobre um passado quase pré-histórico em vez de uma valiosa recordação sobre os horrores do socialismo real.

Como é próprio da história, o passar do tempo tende a suavizar — e até mesmo a ofuscar — as causas dos eventos e a ser mais cordial e tolerante com os responsáveis diretos. 

Olhar friamente os relatos históricos dá a entender que o Muro foi apenas um pitoresco acidente histórico, uma frivolidade feita por um regime megalômano — uma frivolidade sem nenhuma conexão com o substrato ideológico desse regime.

No entanto, o muro da vergonha socialista não foi nenhum acidente histórico: foi, isso sim, a consequência natural e inexorável de uma ideologia que institucionalizava a exploração do homem pelo homem, ao mesmo tempo em que, paradoxalmente, dizia estar abolindo essa exploração.

Houve — e ainda há — vários outros muros socialistas diferentes do berlinense: os controles de circulação e a restrição à concessão de passaportes — além das barreiras naturais, como estar cercado por um oceano — são, em muitos casos, cárceres tão ou mais eficazes que a barreira alemã.

Pois a exploração — a verdadeira exploração, aquela baseada na repressão sistemática da liberdade — é forçosamente indivisível da ditadura do proletariado: não porque a ditadura reconhece sem ambiguidades qual deve ser o destino dos não-proletários, mas sim porque, inclusive dentre os proletários, existem várias divergências de interesses entre eles, divergências essas que a ditadura socialista só pode resolver por meio da coerção estatal — isto é, chancelando e exercendo o uso da força policial e militar em prol de alguns proletários e em detrimento de outros proletários (na realidade, em prol dos quadros com maior poder dentro da burocracia socialista e em detrimento do coletivo dos proletários).

E todo regime assentado sobre a selvagem escravização do homem pelo homem terá de erigir muros para impedir que os escravos fujam do jugo de seus senhores, especialmente quando existem sociedades muito mais livres ao redor. 

O jornalista alemão Eugen Richter já havia entendido isso 70 anos antes da construção do muro, de modo que ele foi capaz de antecipar de maneira incrivelmente presciente que a eventual implantação do socialismo na Alemanha seria seguida, necessariamente, por um rígido controle de fronteiras que impediria as pessoas de fugir e as obrigaria a continuar sendo exploradas como gado pelo estado. 

Em sua distópica novela Imagens de um Futuro Socialista, Richter escreveu:

Dado que os jovens já receberam a adequada doutrinação de nossas instituições socialistas, e dado que lhes foi ministrado o honorável propósito de dedicar todas as suas energias ao serviço da comunidade, rapidamente deixaremos de necessitar de todos esses burgueses e aristocratas [que querem deixar o país].  No entanto, todos eles têm a obrigação de ser retidos dentro do país. (...) O governo [socialista] faz bem em impor implacavelmente medidas para evitar a emigração.  Par que essas medidas sejam eficazes, é imprescindível enviar tropas para as fronteiras e para os portos.  A fronteira com a Suíça vem recebendo atenção especial por parte das autoridades.  Já foi anunciado que a vigilância foi intensificada e que as patrulhas foram incrementadas em vários batalhões de infantaria e cavalaria.  Essas patrulhas têm ordens estritas para disparar indiscriminadamente contra todo e qualquer fugitivo.

Sem um celeiro de cobaias não há paraíso socialista.  Por isso, os muros de contenção são imprescindíveis: não para evitar que as "massas depauperadas pelo capitalismo" emigrem em debandada para os paraísos socialistas, mas sim para evitar que as "massas enriquecidas pelo socialismo" sejam tentadas a fugir para o inferno da exploração capitalista. 

Hoje, lamentavelmente, alguns países capitalistas optaram por levantar barreiras para impedir que populações estrangeiras busquem melhorar suas expectativas de vida em seu solo.  No entanto, os países socialistas foram os únicos que tiveram de recorrer a muros físicos para reter a sua própria população.  Nem mesmo a República Democrática da Alemanha, o mais rico entre os países socialistas, foi suficientemente atraente para evitar que mais de 200.000 berlinenses cruzassem anualmente as fronteiras antes da construção do Muro.

O livre mercado se baseia na livre cooperação humana por meio de contratos voluntários; contratos que, por serem voluntários, são mutuamente benéficos para ambas as partes.  O socialismo, por sua vez, se fundamenta integralmente na coerção: na exploração violenta do homem pelo homem.  O Muro não foi uma gafe histórica.  Cada socialismo requer seu próprio muro, seu próprio cárcere.



autor

Juan Ramón Rallo
é diretor do Instituto Juan de Mariana e professor associado de economia aplicada na Universidad Rey Juan Carlos, em Madri.  É o autor do livro Los Errores de la Vieja Economía.


  • Silvio  14/11/2014 15:01
    Fato é que toda essa história de restrição da movimentação populacional, mesmo a restrição menos severa praticada nos países capitalistas, surgiu, foi implementada e é defendida por socialistas**.

    * Não, não me esqueci. Estou levando em consideração os nacional-socialistas que a imprensa denomina de direita ou extrema-direita
  • Pedro Ivo  14/11/2014 15:32
  • Silvio  14/11/2014 18:27
    Esse artigo me lembrou de uma parte do primeiro episódio da série do Milton Friedman, Free to Choose (www.youtube.com/watch?v=aedjlCmrEkg). O trecho começa a partir dos 22:57 minutos e tomo a liberdade de transcrevê-lo:

    "Essas pessoas estão cruzando duas sociedades muito diferentes. Este é Lo Wu, o posto de fronteira oficial entre a China e Hong Kong. E deste lado da fronteira as pessoas são livres não só no mercado, mas em suas vidas em geral. Elas são livres para dizer o que quiserem, escrever o que quiserem, fazer praticamente tudo o que lhes convém. Não tanto daquele lado. É por isso que as pessoas na China que não conseguem a permissão para sair tomam medidas desesperadas para escapar. Elas arriscam suas vidas no processo. Muitas chegam a perdê-las, mas isso não impede que outras continuem a seguir seu exemplo. Algumas são atraídas pelo padrão de vida material mais alto em Hong Kong. Mas mais (pessoas), pelo desejo humano natural de ser livre.

    As pessoas que conseguem a autorização oficial para deixar a China são afortunadas. Elas serão capazes de se beneficiar da liberdade econômica que encontrarão em Hong Kong. Mas o mais importante é que isso lhes dará uma liberdade muito mais ampla.

    A liberdade humana e política nunca existiram e não podem existir sem uma grande medida de liberdade econômica. Aqueles de nós que foram tão afortunados de nascer em sociedades livres tendem a considerar a liberdade como garantida e pensar que é um estado natural da humanidade. Não é. É algo raro e precioso. A maioria das pessoas ao longo da História e a maioria das pessoas hoje viveu sob condições de tirania e miséria, não de liberdade e prosperidade. A demonstração mais clara de como as pessoas valorizam a liberdade é a forma de como elas votam com seus pés quando não têm outra maneira de votar.

    Hong Kong está muito longe de ser uma utopia. Ela tem favelas, tem crimes e tem pessoas desesperadamente pobres. Mas as pessoas são livres. É por isso que, no fim das contas, muitos vêm para cá. A despeito de terem de viver em barcos-casa que vazam em uma das diversas pequenas baías de Hong Kong, aqui elas têm a liberdade e oportunidade de melhorarem a si mesmas para melhorar suas vidas. E muitas são bem sucedidas.

    Há uma enorme parcela de pobreza no mundo, em qualquer lugar. Não há um sistema que é perfeito. Nenhum sistema irá eliminar a pobreza por completo (seja qual for sua definição). A questão é: qual sistema tem a maior chance, qual é o melhor arranjo que possibilita os pobres melhorarem suas vidas? E a verdade é que as provas históricas falam em uníssono. Não conheço qualquer exceção a esse preceito. Se você comparar os semelhantes, quanto mais livre o sistema, melhor as pessoas pobres comuns estarão."



  • Gredson  14/11/2014 19:33
    Houve — e ainda há — vários outros muros socialistas diferentes do berlinense: os controles de circulação e a restrição à concessão de passaportes — além das barreiras naturais, como estar cercado por um oceano — são, em muitos casos, cárceres tão ou mais eficazes que a barreira alemã.
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    quando esses muros serão "quebrados"?
  • Amarílio Adolfo da Silva de Souza  14/11/2014 23:14
    É importante não esquecer o que foi o chamado "socialismo": a ditadura mais odiosa e implacável de toda a história humana, deixando o "nazismo" muitos anos-luz atrás, no segundo lugar das maiores escravidões da Humanidade. Parece que o ser humano gosta de ser escravo, pois permitiu que duas chagas("socialismo" e "nazismo") acontecessem num mesmo século. Lamentável!
  • Emerson Luís, um Psicólogo  20/11/2014 16:45

    Os socialistas também gostam de levantar "muros" entre as pessoas:

    empregadores x empregados

    homens x mulheres

    brancos x negros

    heterossexuais x homossexuais

    religiosos x não-religiosos

    pagadores de impostos x recebedores de bolsas

    etc.

    * * *


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