quarta-feira, 21 jan 2015
Sem
dúvidas, o economista francês Thomas Piketty foi a revelação de 2014 no âmbito
das ciências sociais. Seu aclamado livro
O Capital no Século XXI se converteu
em uma obra de referência para a esquerda e para a direita, chegando ao ponto
de se transformar em um livro que
é comprado mas não é lido. E, quando é lido, raramente é lido de maneira
crítica.
Isso
explica por que os incondicionais seguidores de Piketty se limitam apenas a
utilizar trechos de suas entrevistas e não de seu livro. E explica também por que os entrevistadores
de Piketty se rebaixam ao papel de apenas lhe estender um tapete vermelho para
que ele lhes desfile suas platitudes em vez de fazerem qualquer pergunta
desafiadora a respeito dos problemas básicos encontrados em seu livro.
E
tais problemas existem
e deveriam ser evidentes para aqueles que se dispõem a analisar seu livro com
um mínimo de cuidado.
Primeiro problema
O fundamento
teórico do livro não é correto.
Segundo Piketty, os ricos se tornam cada vez mais ricos porque os
capitalistas são capazes de obter, automaticamente, uma taxa de retorno sobre
seu capital investido maior que a taxa de crescimento de todo o conjunto da
economia. Isso significa, portanto, que
os ricos vão abocanhando uma fatia cada vez maior do bolo.
A
realidade, no entanto, é que a minha riqueza atual não depende essencialmente
do passado, mas sim do futuro: eu não sou rico porque meus pais fizeram bons
investimentos; eu sou rico porque sou capaz de continuar investindo sabiamente
as propriedades que meus pais me legaram.
Se meus pais me legarem uma fortuna, mas eu não souber administrá-la
corretamente, poderei ficar pobre em pouco tempo. Não há nada de automático ou de garantido na
perpetuação de minha riqueza.
Ao
contrário do que afirma Piketty, nenhum ativo — real ou financeiro — possui
uma rentabilidade automática ou garantida (nem mesmo títulos da dívida do
governo). Ser rico hoje não é garantia
de continuar sendo rico no futuro. Mais
ainda: ser rico hoje não é garantia nenhuma de que você será ainda mais rico no
futuro. Que o digam os ricaços da década
de 1980: todos eles
perderam mais de 50% do seu patrimônio desde então.
O
fato é que, quanto mais capital você possui, menor é a sua capacidade de torná-lo rentável: a capacidade de
investi-lo bem, de evitar erros e de encontrar oportunidades lucrativas de
investimento que ninguém mais conseguiu encontrar é tanto menor quanto maior a
quantidade de fundos que você tem de gerenciar.
Segundo problema
A
análise histórica do livro é equivocada.
Segundo Piketty, deveríamos estar vivenciando no Ocidente um aumento
extremo da desigualdade provocado pela crescente concentração de capital. No entanto, a evidência empírica que Piketty
utiliza em seu livro é exatamente oposta — e não irei aqui abordar as várias
críticas feitas a Piketty pelo fato de ele haver manipulado seus dados (ver aqui e aqui) com o claro
objetivo de fazer com que eles se encaixassem em sua teoria.
Em
primeiro lugar, a maior parte da desigualdade observada no Ocidente durante as
três últimas décadas não adveio da rentabilidade do capital, mas sim das rendas
salariais. Mais especificamente,
a maior parte da desigualdade foi originada pelo surgimento dos super-salários
pagos às pessoas mais altamente qualificadas de uma economia. (Todos
os dados e detalhes aqui).
Em
segundo lugar, a desigualdade gerada pela propriedade do capital está hoje em
mínimos históricos: segundo os dados do próprio Piketty, a desigualdade gerada
pela propriedade do capital é hoje inferior a todas já registradas em qualquer
outro período de nossa história anterior a 1970. Essa redução histórica na desigualdade sobre
o capital adveio, segundo o próprio Piketty, de uma das façanhas mais
relevantes do século XXI: o surgimento de uma classe
média que se tornou proprietária de suas próprias moradias, o que aumentou
sobremaneira seu patrimônio.
Em
terceiro lugar, Pikkety não inclui no seu cômputo aquele outro grande
investimento feito pelas classes médias: o investimento em educação (capital
humano). Se ele houvesse feito isso, a
desigualdade na propriedade do capital seria ainda menor.
Terceiro problema
As
propostas políticas do livro são erradas.
Segundo Piketty, a desigualdade deve ser combatida punindo os ricos com
impostos mais altos. Especificamente,
tributos com alíquotas de 80 a 90% sobre as rendas mais altas, e taxas de 10%
sobre o patrimônio.
Ao
sugerir isso, Piketty demonstra ignorar que a única forma de fazer com que cada
vez mais pessoas vivam melhor não é punindo a geração de riqueza, mas sim permitindo
que todos sejam livres para enriquecer.
Se os últimos 40 anos podem ser caracterizados como o período mais
igualitário em termos de distribuição do capital em toda a história da
humanidade não foi porque os ricos foram arruinados, mas sim porque as classes
médias começaram a acumular algum patrimônio.
O
segredo para se ter uma sociedade com menos disparidades na propriedade do
capital é justamente permitir que os cidadãos comuns tenham acesso ao capital:
ao capital real, ao capital financeiro e ao capital humano. Punir os ricos não fará com que os mais
pobres tenham mais capital real, mais capital financeiro e mais capital
humano.
[Nota
do IMB: estimular o empreendedorismo desregulamentado todos os setores da
economia, desburocratizando, desestatizando, permitindo importações baratas e
tendo uma moeda forte é a única maneira de permitir que os mais pobres possam
empreender, possam adquirir produtos baratos até então acessível apenas os mais
ricos, e com isso ter capital sobrando para formar algum patrimônio]
Até
mesmo aqueles estados interventores tidos como bem-sucedidos na redução das
desigualdades — os estados nórdicos — não
se caracterizam por uma agressiva e progressiva tributação sobre os ricos,
mas sim por uma economia razoavelmente desregulamentada e desburocratizada e
pelo acesso universal a um capital humano de qualidade.
[Nota
do IMB: acesso "gratuito" à educação é algo que o Brasil tem desde há muito, do
ensino básico à universidade. Portanto,
assim como os nórdicos, temos "educação gratuita"; mas ao contrário dos
nórdicos, não temos uma economia livre e desburocratizada.
Segundo o site Doing Business, nas economias
escandinavas,você demora no máximo 6 dias para abrir um negócio (contra mais de
130 no Brasil); as tarifas de importação estão na casa de 1,3%, na média (7,9%
no Brasil); o imposto de renda de pessoa jurídica é de 25% (34% no Brasil); o
investimento estrangeiro é liberado (no Brasil, é cheio de restrições); os
direitos de propriedade são absolutos (no Brasil, grupos terroristas invadem
fazendas e a justiça os convida para um cafezinho); e o mercado de trabalho é
extremamente desregulamentado. Não
apenas pode-se contratar sem burocracias, como também é possível demitir sem
qualquer justificativa e sem qualquer custo.
E tudo com o apoio dos sindicatos, pois eles sabem que tal política
reduz o desemprego. Não há uma CLT
(inventada por Mussolini e rapidamente copiada por Getulio Vargas) nos países
nórdicos.]
Consequentemente,
nem mesmo dentro de uma retórica estatizante as políticas propostas por Piketty
parecer ter alguma justificativa — como, aliás, acabam de nos recordar seus próprios
conterrâneos franceses.
Conclusão
Em
suma, Piketty erra em seu modelo teórico, em sua análise histórica e em suas
propostas políticas. Mas nada disso fará
com que ele deixe de ser venerado como uma invencível referência intelectual em
cada um desses três campos, especialmente por aqueles que nem sequer se
dignaram a ao menos lê-lo.
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contidas no livro de Thomas Piketty
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