quinta-feira, 24 dez 2020
As
parábolas de Jesus nos ensinam verdades eternas, mas também oferecem lições
práticas inesperadas para as questões mundanas.
No
Evangelho de Mateus (Mt
25:14-30), encontramos a parábola dos talentos de Jesus. Como todas as
parábolas bíblicas, elas têm muitos níveis de significado. Sua essência se relaciona
a como utilizamos o dom da graça de Deus. Com relação ao mundo material, trata-se
de uma história sobre capital, investimento, empreendedorismo, e o uso adequado
de recursos econômicos escassos. É uma refutação direta àqueles que veem uma
contradição entre o sucesso dos negócios e a vivência da vida cristã.
A parábola
Um
homem rico, prestes a iniciar uma longa viagem, chamou os seus três servos e
lhes disse que eles seriam os guardiões de seus bens enquanto estivesse
ausente. Após o mestre analisar as habilidades naturais de cada um, ele deu 5
talentos a um servo, 2 a outro, e 1 ao terceiro. Em seguida, partiu para sua
viagem.
Os
servos não perderam tempo e imediatamente adentraram o mundo do empreendimento
e dos investimentos. Aquele que recebera cinco talentos empreendeu e
ganhou outros cinco. Do mesmo modo, o
que recebera dois ganhou outros dois. Mas o que havia recebido apenas um fez
uma cova no chão e escondeu ali a propriedade do seu mestre.
Depois
de muito tempo, o mestre retornou e foi acertar as contas com seus servos. O
servo que havia recebido 5 talentos se apresentou. "Meu senhor", ele disse, "o
senhor me confiou 5 talentos; veja, aqui estão mais cinco que eu consegui!".
"Muito
bem, servo bom e fiel!" o mestre respondeu. "Já que foste fiel no pouco,
confiar-te-ei o muito; entra no gozo do teu senhor!"
Em
seguida, o servo que havia recebido 2 talentos se aproximou do mestre. "Meu
senhor", disse, "o senhor me confiou 2 talentos; veja, obtive mais dois!" O
mestre disse: "Muito bem, servo bom e fiel, já que foste fiel no pouco,
confiar-te-ei o muito, entra no gozo do teu senhor".
Finalmente,
aquele que havia recebido 1 talento se aproximou de seu mestre. "Meu senhor",
disse, "eu soube que és um homem severo, ceifas onde não semeaste e recolhes
onde não joeiraste; e, atemorizado, fui esconder o teu talento na terra; aqui
tens o que é teu!".
A
resposta do mestre foi rápida e severa: "Servo mau e preguiçoso! Se sabias que
ceifo onde não semeei e que recolho onde não joeirei, devias, então, ter
entregado o meu dinheiro aos banqueiros e, ao meu retorno, teria recebido o que
é meu com juros".
O
mestre ordenou que o talento fosse tomado do servo preguiçoso e dado àquele que
tinha dez talentos: "Tirai-lhe, pois, o talento e dai-o ao que tem os dez
talentos; porque a todo o que tem, dar-se-lhe-á, e terá em abundância; mas ao
que não tem, até o que tem ser-lhe-á tirado. Lançai o servo inútil nas trevas
exteriores; ali haverá o choro e o ranger de dentes!"
Essa
não é a história que frequentemente ouvimos nos púlpitos e sermões. Nossos
tempos ainda exaltam uma ética socialista na qual o lucro é suspeito, e o
empreendedorismo é visto com suspeita e desagrado. Porém, a história apresenta
um significado ético facilmente perceptível, e apresenta lições profundas que
ajudam a compreender qual é a responsabilidade humana na vida econômica.
Uma análise mais atenta
Nessa
parábola, a palavra "talento" possui dois significados. É uma unidade
monetária: era a mais utilizada da época. O estudioso bíblico John R. Donovan relata
que um único talento era equivalente ao salário de 15 anos de um trabalhador
comum. Portanto, sabemos que a quantia dada a cada servo era considerável.
Se
interpretarmos de uma forma mais ampla, os talentos se referem a todos os dons
que Deus nos deu. Essa definição abarca todos os dons — naturais, espirituais
e materiais. Inclui, também, nossas habilidades e recursos naturais — saúde e
educação —, bem como nossas posses, dinheiro e oportunidades.
Uma
das lições mais simples dessa parábola é que não é imoral lucrar por meio do
uso de nossos recursos, inteligência e trabalho. A alternativa ao lucro é o
prejuízo; e a perda de riqueza, especialmente por falta de iniciativa, certamente
não constitui uma boa e sensata administração.
A
parábola existente no Evangelho de São Mateus pressupõe uma compreensão básica
da correta administração do dinheiro. De acordo com a lei rabínica, o ato de
enterrar o dinheiro era considerado a forma mais segura contra o roubo. Se a uma pessoa
fosse confiada uma quantia em dinheiro e ela o enterrasse tão logo estivesse em
seu poder, ela estaria livre da culpa se algo acontecesse com ele. O oposto era
verdade se o dinheiro fosse enrolado em um pano. Nesse caso, a pessoa era responsável por cobrir
qualquer perda (prejuízo) incorrida devido à má administração do depósito que
lhe foi confiado.
Ainda
nessa história, o mestre inverte o entendimento da lei rabínica. Ele considerou
enterrar o talento — ficando elas por elas — como um prejuízo, pois ele
pensava que o capital deveria receber uma taxa de retorno razoável. De acordo
com esse entendimento, tempo é dinheiro (ou juros).
A
parábola também contém uma lição crítica sobre como devemos utilizar as habilidades
e recursos dados por Deus. No livro de Gênesis, Deus deu a Adão a Terra à qual ele
deveria misturar seu trabalho para seu próprio uso. Na parábola, de forma
similar, o mestre esperava que seus servos buscassem ganhos materiais. Em vez
de preservar passivamente o que lhes tinha sido dado, o mestre esperava que
investissem o dinheiro. O mestre ficou furioso diante da timidez do servo que
tinha recebido um talento. Deus nos ordena a utilizar nossos talentos para fins
produtivos. A parábola enfatiza a necessidade do trabalho e da criatividade, e
condena a preguiça.
A
busca por segurança
Ao
longo da história, as pessoas tentaram construir instituições que assegurassem uma
segurança perfeita, como o servo fracassado tentou. Tais esforços variam dos
estados de bem-estar greco-romanos, passando pelo totalitarismo soviético em
grande escala, até as comunidades luditas da década de 1960.
De
tempos em tempos, esses esforços foram adotados como soluções cristãs para inseguranças
futuras. Ainda assim, na Parábola dos Talentos, a coragem frente a um futuro
incerto é recompensada no primeiro servo, que recebeu mais. Ele havia empreendido
os 5 talentos, e ao fazê-lo, obteve mais 5. Teria sido mais seguro para o servo
investir o dinheiro no banco para obter juros. Pela fé que demonstrou, foi-lhe
permitido manter os 5 iniciais mais os 5 que havia recebido, compartilhando da
alegria do mestre.
Isso
implica uma obrigação moral de confrontar a incerteza de maneira empreendedora. E
ninguém o faz melhor que o empreendedor. Muito antes de saber se haverá retorno
aos seus investimentos ou ideias, ele arrisca seu tempo e sua propriedade. Ele tem
de pagar os salários de seus empregados muito antes de saber se o seu
empreendimento terá algum retorno. Ele incorre
em gastos muito antes de saber se previu os eventos futuros de forma acurada.
Ele vê o futuro com esperança, coragem e um senso de oportunidade. Ao criar
novos negócios, ele oferece alternativas para os trabalhadores, que agora podem
optar por receber um salário e desenvolver suas habilidades.
Por
que, então, os empreendedores são frequentemente punidos como maus servos de
Deus?
Muitos líderes religiosos falam e agem como se o uso dos talentos e
recursos naturais dos empresários em busca do lucro fosse imoral, uma noção que
deveria ser descartada à luz da Parábola dos Talentos. O servo preguiçoso
poderia ter evitado seu destino sombrio ao ser mais empreendedor. Se houvesse
feito um esforço para empreender o dinheiro do seu mestre e retornado com
prejuízos, ele não teria sido tratado tão mal, pois ao menos teria trabalhado
em nome do seu mestre.
Empreendedorismo e ganância
A
religião deve reconhecer o empreendedorismo pelo que ele é: uma vocação.
A
capacidade de sucesso nos negócios, na bolsa de valores ou em um banco de
investimentos é um talento. Como outros dons, não deveriam ser desperdiçados,
mas usados em sua plenitude para a glória de Deus. Críticos ligam o capitalismo
à ganância, mas a natureza fundamental da vocação empresarial é se concentrar
nas necessidades dos consumidores e se esforçar para satisfazê-las. Para ter
sucesso, o empreendedor tem de servir aos outros.
A
ganância se torna um risco espiritual — que ameaça a todos nós,
independentemente de nossa riqueza ou vocação — quando passa a haver um desejo
excessivo ou insaciável por ganhos materiais, independentemente de nossa
condição financeira. O desejo se torna excessivo quando, nas profundezas do seu
ser, ele supera as preocupações morais e espirituais.
Mas a parábola deixa
claro que a riqueza por si só não é injusta — pois o primeiro servo recebeu
mais do que o segundo e o terceiro. E quando o lucro é o objetivo a ser alcançado
pelo uso do talento empresarial, isso não configura ganância. É apenas o uso
apropriado do dom.
Além
de condenar o lucro, os líderes religiosos frequentemente favorecem diversas
variedades de igualdade social e redistribuição de renda. Sistema de saúde universal,
maiores gastos com políticas assistencialistas, e tributação pesada sobre os
ricos são todos promovidos em nome da ética cristã. O objetivo supremo de tais políticas
é a igualdade, como se as desigualdades inatas que existem entre as pessoas
fossem, de alguma forma, inerentemente injustas.
E
não é assim que Jesus se posiciona na Parábola dos Talentos. O mestre confiou
talentos a cada um de seus servos de acordo com suas respectivas habilidades e capacidades.
Um recebeu 5, enquanto outro recebeu somente 1. Aquele que recebeu menos não recebe compaixão
do mestre pela sua falta de recursos em comparação ao que seus outros colegas
receberam.
Podemos
inferir dessa parábola que a igualdade de renda ou a realocação de recursos não
é uma questão moral fundamental. Os talentos e matérias-primas que cada um de
nós tem não são inerentemente injustos; sempre existirão desigualdades
desenfreadas entre as pessoas. Um sistema moral é aquele que reconhece tal fato
e permite que cada pessoa utilize seus talentos em sua plenitude. Todos nós
temos a responsabilidade de empregar as capacidades e habilidades das quais
fomos dotados.
Também
podemos aplicar a lição dessa parábola às nossas políticas sociais. No sistema vigente,
o salário do trabalhador é tributado para pagar os benefícios daqueles que não
trabalham.
Frequentemente ouvimos que "não existem empregos" para a grande
maioria dos pobres. No entanto, sempre existe trabalho a ser feito. A necessidade de trabalho é,
por definição, infinita. Um homem com duas mãos saudáveis pode encontrar
trabalho que pague $1 por hora. Em tese, ele deveria decidir se trabalhar ou não. No entanto, é o governo quem decide
se ele pode ou não aceitar tal valor. Por isso, nosso sistema de bem-estar desencoraja o
trabalho. Além de o governo proibir aqueles que aceitariam trabalhar por menos que o salário mínimo, ele também cria um incentivo perverso para se recorrer ao assistencialismo: ninguém aceitará um trabalho que pague pelo menos o mesmo que o
seguro-desemprego.
Deus
ordena que todas as pessoas utilizem seus talentos; todavia, em nome da
caridade, nosso sistema assistencialista encoraja as pessoas a deixarem que
suas habilidades naturais atrofiem, ou que nem mesmo as venham a descobrir. Dessa
maneira, estimula-se o pecado.
A Parábola dos Talentos implica que a
inatividade — ou o desperdício de talento empreendedorial — incita a ira de
Deus. Afinal, o servente mais baixo não havia desperdiçado o talento; ele
simplesmente o havia enterrado: algo que era permissível (aceitável) pela lei
rabínica. A rapidez da reação do mestre surpreende. Ele o chama de "mau e
preguiçoso" e o expulsa para sempre de sua convivência.
Aparentemente,
não é somente a preguiça do servo que motiva tanta ira. Ele não mostrou nenhum
arrependimento, e ainda culpou seu mestre pela sua timidez (incompetência). Sua
desculpa para não investir o dinheiro é que ele considerava o seu mestre duro e
exigente, embora a ele houvessem sido confiados recursos generosos. Por medo do fracasso, ele se recusou até
mesmo a tentar ter sucesso.
Essa
parábola também nos ensina algo sobre macroeconomia. O mestre seguiu viagem
deixando o total de 8 talentos; ao retornar, os 8 haviam se transformado em 15.
A parábola não é a história de um jogo de soma zero. O
ganho de uma pessoa não ocorre à custa de outrem. O empreendimento exitoso do
primeiro serve não prejudica as possibilidades do terceiro servo. O mesmo se
aplica à economia atual. Ao contrário do que é normalmente pregado do púlpito,
o sucesso dos ricos não vêm à custa dos pobres.
Se
por se tornar rico o servo mais bem sucedido tivesse prejudicado a outrem, o
mestre não o teria elogiado. O uso sábio dos recursos em investimentos não somente é correto do ponto de vista individual, como também
ajuda as outras pessoas. Uma onda que sobe
levanta todos os barcos. Da mesma forma, a riqueza do mundo desenvolvido não
ocorre nas costas das nações em desenvolvimento. A
Parábola dos Talentos implica uma sociedade livre e aberta.
Cristãos
de esquerda normalmente recorrem às palavras de Jesus em Mateus 19:24: "Como é difícil entrar
no Reino de Deus. É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que
um rico entrar no Reino de Deus". Seus discípulos foram tomados de surpresa, e
se perguntaram: quem poderia ser salvo, então? Jesus acalmou seus medos: "para
um homem é impossível, mas não para Deus, porque para Deus todas as coisas são
possíveis".
Isso
não significa que nosso sucesso material nos afastará do paraíso; implica, isso
sim, a necessidade de levarmos uma vida moralmente, a qual deve estar acima de
qualquer preocupação com bens materiais. Nossa preocupação para com Deus deve
ser a mesma que os servos tiveram com relação aos interesses do seu mestre
enquanto buscavam o lucro. Permanece verdade que, não obstante todas as nossas
posses e feitos terrenos, dependemos completamente de Deus para alcançarmos a
salvação.
No
entanto, para a condução da economia, dependemos fortemente do
empreendedorismo, do investimento, da tomada de risco e da expansão da riqueza
e da prosperidade. Deveríamos ser mais
críticos quanto à maneira como nossa cultura trata o empreendedorismo. As
revistas de negócios estão repletas de histórias de sucesso. O herói é
frequentemente o empreendedor corajoso, visionário e alegre, que se assemelha
ao servo capaz que recebeu 5 talentos. Contudo, ao mesmo tempo, a fé religiosa
popular continua a louvar e promover o comportamento endêmico do servo
preguiçoso que foi expulso do convívio do mestre.
Conclusão
O
cristianismo é frequentemente culpado pelo fracasso dos projetos socialistas ao
redor do mundo. E, em muitos casos, cristãos desinformados participaram da
construção desses tipos de projetos. A lição da Parábola dos Talentos precisa
ser mais bem entendida. O sonho socialista é imoral. Ele simplesmente
institucionaliza o comportamento condenável do servo preguiçoso.
Onde Deus
recomenda a ação criativa, o socialismo encoraja a preguiça. Onde Ele demanda
fé e esperança no futuro, o socialismo promete uma falsa forma de segurança. Ao
passo que a Parábola dos Talentos sugere a superioridade moral da livre iniciativa,
do investimento e do lucro, o socialismo a nega.
Todas as pessoas de fé deveriam trabalhar
tenazmente para acabar com a divergência entre religião e economia. Essa
parábola de Jesus é um bom ponto para se começar a incorporar a moralidade do
livre mercado e da livre iniciativa à ética cristã.
____________________________________
Leia também:
A teologia do estado no Novo Testamento - O que realmente era o "Dai a César"
A teologia do estado no Novo Testamento – Romanos 13 e a "submissão" aos governos