segunda-feira, 6 abr 2015
É
comum ouvir a afirmação de que investidores são míopes, imediatistas e propensos
a só tomarem decisões baseadas em um horizonte temporal muito curto. Daí as frequentes alegações de que há
determinados investimentos altamente demandados pelo povo (os tais
"investimentos de interesse público"), mas que, por serem de longo prazo,
apenas o governo poderia fazê-los.
É
dessa mentalidade que surge a defesa dos subsídios, das "regulações indutoras
do crescimento" (se é que isso é possível), e das tributações de cunho
corretivo (de novo, se é que isso existe): tudo isso teria o objetivo de fazer
o mercado se voltar para objetivos sociais de longo prazo.
Embora
essa visão de "governo guiando e corrigindo o mercado" seja amplamente aceita,
o raciocínio está totalmente invertido: de um lado, os mercados contêm sim
sofisticados mecanismos que gratificam o planejamento de longo prazo; de outro,
é justamente o arranjo político democrático que estimula uma visão imediatista
e totalmente voltada para o curto prazo.
A
instituição mais fundamental para promover um adequado planejamento de longo
prazo é a propriedade privada. Um genuíno proprietário — seja de um pedaço
de terra, seja das instalações industriais, seja do maquinário empregado em
investimentos, seja de todo o capital aplicado — tem todo o interesse de tomar
medidas que aumentem o valor de mercado de seus bens.
Por
exemplo, considere uma enorme jazida de minério de ferro. Logo de início, há dois arranjos possíveis:
ou a jazida é propriedade privada de uma empresa, ou ela pertence ao governo
que então arrenda sua exploração para uma mineradora.
Os
dois arranjos são completamente distintos e levarão a resultados bastante diferentes.
Se
a jazida pertence ao estado, e este arrenda sua exploração a uma mineradora em
um formato de concessão, a mineradora — justamente por saber que o terreno não
é seu e que seu prazo para explorá-lo é limitado — terá todos os incentivos
para exaurir a jazida o mais rápido possível.
Afinal, o contrato de concessão tem um tempo definido, e pode não ser
renovado (a renovação depende de várias questões políticas, e o fato de o
governo ser trocado a cada quatro anos é um fator de grandes incertezas).
Por
outro lado, se a jazida se tornar uma genuína propriedade privada, os
resultados serão outros bem distintos.
Nesse arranjo, ainda há quem pense que a gananciosa mineradora irá
esgotar a jazida o mais rapidamente possível, extraindo todo o minério e direcionando-o
a projetos voltados apenas à atual geração, ignorando as necessidades das
gerações futuras.
Uma
reflexão mais profunda mostra que tal raciocínio não faz sentido.
O
capitalista dono da mineradora, por mais "ganancioso" que ele seja (lembremo-nos
de que "ganancioso" sempre são os outros; nós nunca somos), está ao menos
minimamente familiarizado com a noção de que o minério de ferro em uma jazida
— ao contrário de bananas, laranjas e trigo — é um produto finito e
esgotável; ele não se renova naturalmente ano após ano. Uma tonelada extra de minério extraída e
vendida este ano significa exatamente uma tonelada a menos de minério nesta
jazida no ano seguinte (ou em qualquer ano futuro).
E
daí?
E
daí que, tão logo entendemos que o ganancioso capitalista dono da mineradora
não quer maximizar sua receita mas
sim o valor de mercado de sua empresa
(dentre outras obrigações, ele tem acionistas a satisfazer), torna-se óbvio que
ele tem necessariamente de pensar no futuro ao tomar decisões no presente.
Falando
mais especificamente, para maximizar o valor de mercado do seu ativo, o
proprietário da mineradora irá, no presente, extrair toneladas adicionais de
minério (e investir as receitas no mercado financeiro para auferir juros de
mercado) até o ponto em que ele terá um maior retorno caso deixe a próxima
tonelada de minério na jazida, para ser vendida no ano seguinte ao preço de
mercado esperado.
Por
exemplo, se o minério está sendo vendido hoje a $50 a tonelada, e taxa de juros
sobre ativos financeiros é de 10%, então a mineradora irá interromper suas
operações caso imagine (com alta confiança) que o preço da tonelada do minério
no ano que vem será de $55 ou mais,
em decorrência de um aumento da demanda dos consumidores. (Estou assumindo, por
motivos de simplificação, que os custos marginais de extração e de venda são os
mesmos, ano após ano). Tão logo ele
chega a essa conclusão, o melhor "investimento" para suas unidades adicionais
de minério seria deixá-los na jazida, "amadurecendo" para o ano seguinte.
Já
em um arranjo de concessão, em que o governo é o dono da jazida e a arrenda por
um tempo determinado, tal raciocínio empreendedorial perde força, pois agora há
um tempo de arrendamento que irá expirar e — ainda pior — há riscos políticos
de uma revogação da concessão, algo que pode ocorrer caso um governo populista
seja eleito.
Assim,
vemos que um capitalista ganancioso, no arranjo em que ele é o genuíno
proprietário da jazida, irá implicitamente (e até mesmo involuntariamente)
levar em consideração os desejos dos consumidores no ano seguinte ao tomar suas decisões atuais de produção. E ele
fará isso não porque está se deixando levar por motivos altruístas, mas sim
porque visa ao seu enriquecimento pessoal.
Nesse caso, os preços de mercado estão fazendo com que até mesmo
indivíduos egoístas promovam o bem-estar geral.
Se,
por qualquer motivo, houver a expectativa de que o minério de ferro se tornará
mais escasso no futuro, então seu preço atual no mercado de futuros será maior. Isso fará com que, hoje, as mineradoras reduzam sua produção e mantenham o minério
fora do mercado, desta forma aumentando seus preços já no presente, em antecipação aos preços esperados no futuro. Os modernos mercados financeiros e de
commodities — que fazem contratos futuros, bem como utilizam de vários
derivativos exóticos — conseguem refinar esse arranjo ainda mais, atraindo
todo o conhecimento disperso (e os diferentes apetites de risco) de milhões de
pessoas e concentrando tudo em um só lugar.
Os
críticos do capitalismo muito provavelmente irão reclamar de novo, dizendo
agora que o fato de a mineradora estar reduzindo a oferta para elevar o preço é
evidência da ganância e prejudica os consumidores. Se isso ocorrer, então os críticos têm de se
decidir: eles querem que o minério seja disponibilizado todo no presente ou
querem que haja um pouco para o futuro?
A quantidade de minério é finita e não é renovável — e esse é o
(suposto) problema.
Observe
que, mesmo que o proprietário de uma mineradora seja diagnosticado com câncer
terminal, ele ainda assim tem os
incentivos para se comportar dessa maneira "eficiente". O motivo é que ele pode vender ou a mineradora ou a jazida imediatamente. O valor de mercado de toda a jazida será
igual ao valor presente descontado de todo o fluxo futuro da renda líquida
propiciada pela propriedade da jazida e pela sua operação ótima durante todo o
futuro, indefinidamente.
Mesmo
que o proprietário pense que "ah, se eu ainda tivesse mais 10 anos de vida,
iria gerenciar a mineradora de tal e tal maneira", essa decisão não mudará só
porque ele tem apenas mais um ano de vida.
Em vez disso, ele pode vender a jazida ou a mineradora para quer fizer a
melhor oferta, inclusive pessoas que têm mais de 10 anos de expectativa de
vida.
Sendo
assim, vemos que, contrariamente ao que dizem os críticos, uma economia de
mercado pura contém sofisticados mecanismos que guiam os proprietários e os
estimulam a agir como gerentes voltados para o longo prazo, mesmo na área de
recursos naturais exauríveis. Em total
contraste, políticos e burocratas que controlam recursos naturais — no caso de
empresas estatais — não possuem tais incentivos. Dado que eles não podem pessoalmente embolsar
as receitas (estou trabalhando em um cenário de ausência de corrupção), ou legar
o ativo para seus herdeiros, políticos e burocratas têm um incentivo para
maximizar a receita atual dos
recursos naturais que estão sob seu controle temporário.
Conclusão
Proprietários
privados em uma economia de livre mercado têm incentivos para maximizar o valor
de longo prazo de sua propriedade, o que implicitamente os faz levar em
consideração os desejos das gerações futuras.
Já políticos eleitos democraticamente, bem como seus burocratas nomeados
no comando de estatais, agem como zeladores temporários que não irão
pessoalmente se beneficiar da manutenção do valor de mercado dos ativos que
eles controlam.
Locadoras
de carro seriam tolas em imaginar que seus clientes irão sempre colocar
gasolina mais cara, de alta octanagem, em seus veículos. No entanto, por algum motivo insondável,
milhões de eleitores acreditam que políticos com quatro anos de mandato serão
mais visionários e menos imediatistas no comando de empresas e na alocação de
investimentos do que proprietários e acionistas privados.