Uma das reações mais comuns à afirmação de que se
deve permitir que as pessoas vivam suas vidas livres de qualquer interferência política
é que muitas pessoas simplesmente não são sábias e sensatas o bastante para
gerenciarem suas próprias vidas.
Assim, por exemplo, as pessoas não podem ser livres
para poupar como quiserem para sua aposentadoria — devendo o estado confiscar
mensalmente uma parte da sua renda para poupar para elas — porque não são sábias
e sensatas o bastante para isso.
Igualmente, as pessoas não podem ser livres para
educar seus filhos como quiserem (devendo o estado estar no controle da educação), para
escolher os tipos de planos de saúde que quiserem (devendo o estado regular pesadamente este
setor), para consumir o que quiserem (devendo o estado proibir e encarecer várias
coisas), para comprar do estrangeiro os produtos que quiserem (devendo o
estado dificultar e
encarecer as importações), para escolher os provedores de internet e de telefonia
celular que quiserem (devendo o estado restringir o acesso das
empresas mundiais ao mercado nacional), ou mesmo para proteger sua família
(devendo o estado proibir o
acesso de pais de família a armas, mesmo as mais simples).
Não apenas as pessoas não podem ser livres para decidir
sobre isso, como também devem ser obrigadas a pagar por tudo isso por meio da extração
compulsório de uma fatia de sua renda.
De novo: os defensores de todo esse intervencionismo
estatal alegam que as pessoas não podem ter tamanha liberdade porque não são sábias
e sensatas o bastante para isso, devendo, portanto, delegar poderes a políticos
e burocratas.
Para agravar a situação, várias pessoas do outro
lado debate (nós, libertários) afirmam que as pessoas deveriam ter toda essa
liberdade exatamente porque são sábias
e espertas o bastante para lidar com tudo isso.
Ambos os lados estão errados em suas justificativas.
Comecemos com um ponto que talvez seja óbvio: se os
humanos não são sábios o bastante para gerir suas próprias vidas, por que deveríamos
crer que existem humanos sábios o bastante para gerir a vida dos outros? O que garantiria, por exemplo, que iremos
eleger um pequeno número de pessoas genuinamente sábias e sensatas o bastante para
gerir não apenas suas próprias vidas como também as nossas vidas?
E o que iria garantir que elas sejam sábias e
sensatas o bastante para saber o que é bom não só para elas, mas também para todo
o resto? Tais pessoas teriam de ser
sobre-humanas.
Logo, o argumento de que "as pessoas não são sábias
o bastante, e por isso têm de ser controladas por pessoas sábias" pode ser
imediatamente revertido contra seus defensores.
Mas também há problemas com o argumento de que "as
pessoas são sábias o bastante para cuidar de si próprias". Trata-se de uma questão empírica saber quão
sábias e sensatas as pessoas são em geral, e se elas realmente são boas em
tomar decisões. Evidências experimentais
da psicologia e da economia comportamental sugerem que a maioria das pessoas
está muito distante da perfeita racionalidade do Homo economicus.
Mesmo que fosse verdade que somos sábios e sensatos
o bastante para gerir nossas vidas, isso por acaso também não implicaria que somos
sábios e sensatos o bastante para gerir a vida dos outros?
Historicamente, o argumento em prol do socialismo e
de outras formas menos abrangentes de intervenção estatal sempre teve como
premissa fortes alegações sobre a racionalidade humana. Se somos sábios e sensatos o bastante para
controlar a natureza, então certamente podemos fazer o mesmo com a sociedade.
A arrogância fatal
Tais argumentos frequentemente foram feitos em
termos de querer o melhor para a sociedade, e com a sincera crença de que seria
possível melhorar as condições de vida daqueles que estão em pior situação ao se
colocar mais poder de decisão nas mãos do governo.
No entanto, tamanha confiança nos poderes da razão
— aquilo que Hayek chamou de "a arrogância fatal" — pode se degenerar (como
de fato sempre acontece) na busca pelo poder apenas para se ter poder. E isso ocorre tão logo todas as tentativas de
se fazer um planejamento social racional fracassam. Ou então pode também desandar em tentativas
ainda mais desumanas de controle social, como a eugenia.
Superestimar a racionalidade humana é uma fórmula que
sempre acaba levando alguns humanos a exercerem controle sobre outros humanos
em uma escala que nenhum ser humano está capacitado.
Portanto, se os humanos não são tão bons assim em
tomar decisões, inclusive e especialmente aqueles com poderes políticos, então qual
exatamente é o argumento em defesa da liberdade, dado que não podemos dizer que
as pessoas são muito capacitadas para gerir suas próprias vidas?
Podemos fazer uma distinção entre duas afirmações distintas:
"Sou muito sábio e sensato; logo, sou capaz de gerir
minha própria vida perfeitamente."
E
"Não sei de tudo e nem sempre sou sensato, mas ninguém
sabe mais do que eu sobre como melhor gerir minha própria vida".
A primeira representa uma declaração absoluta sobre
a racionalidade humana. Já a segunda é
uma alegação bem mais modesta, que diz que, em relação aos outros, sou mais capacitado
para tomar as melhores decisões para mim.
Mas esta segunda afirmação ainda ignora aqueles fatores
essenciais que justificam permitir que até mesmo pessoas irracionais e
insensatas gerenciem suas próprias vidas: se os seres humanos possuem as corretas instituições econômicas, políticas
e sociais, eles são capazes de observar o comportamento uns dos outros e de determinar
quais tipos de comportamento "funcionam" e quais não. E eles podem imitar as escolhas daqueles que são
bem-sucedidos.
Processos sociais são processos de aprendizagem, e
todos nós nos tornamos melhores em nossas vidas ao imitarmos as bem-sucedidas inovações
de terceiros. Processos evolucionários biológicos
e sociais requerem algum processo por meio do qual a inovação ocorre, alguma
maneira de determinar quais dessas inovações são benéficas, e então algum modo
de imitar ou duplicar aquela inovação dos outros. Esses processos de inovação e imitação são a
fonte do progresso tanto no mundo natural quanto no mundo social.
A evolução biológica, obviamente, possui todas essas
três. A inovação ocorre por meio da mutação
genética. Mutações que permitem que um gene
ou um animal ou um grupo sobreviva são então transmitidas à geração seguinte. A sobrevivência é o padrão do sucesso. E a transmissão da mutação por meio da reprodução
é o ato de imitação.
O
mercado como um processo de aprendizagem
Vemos esse mesmo processo em ação no mercado. Empreendedores surgem com uma ideia nova;
essa é a parte da inovação. O sistema de
lucros e prejuízos sinaliza ao mercado se esse empreendedor teve sucesso ou
fracasso em criar valor para terceiros. Se
ele tiver tido lucro, outros produtores respondem a esses sinais de lucro
entrando neste mercado e produzindo um bem similar. Esse é o processo de imitação e aprendizado econômico.
Em ambos os processos, o progresso é definido em
termos de aprendizado, e esse aprendizado ocorre ao sermos capazes de
identificar as inovações bem-sucedidas de terceiros e saber uma maneira de
imitá-los. O que constitui o progresso é
ser mais bem capacitado para a sobrevivência (na evolução biológica) ou para
criar valor para terceiros (no mercado).
Daí a frase espirituosa de que o progresso social ocorre quando "as idéias
fazem sexo". Um processo similar ocorre
na cultura, em que inovações podem ser reconhecidas e imitadas — esse, aliás,
é o conceito original do termo "meme".
Individualmente, podemos não saber muito; mas,
conjuntamente, com as instituições
corretas, podemos aprender uns com os outros e, coletivamente, saber muito.
Igualmente, você pode ser a pessoa mais
esperta da sua cidade, mas todas as pessoas da sua cidade, quando somadas, são
infinitamente mais espertas do que você.
A justificativa para a liberdade humana, portanto, não
é que somos tão sábios e sensatos ao ponto de sermos capazes de gerir nossas próprias
vidas perfeitamente bem, mas sim que não somos tão sábios e sensatos
individualmente, e que a única maneira de nos tornarmos mais sábios e sensatos
é aprendendo uns com os outros.
Tal aprendizado requer liberdade para inovar e
liberdade para imitar. E deve envolver
algum tipo de processo confiável que seja um indicador de sucesso. Nenhum de nós sabe o bastante para gerir
nossas próprias vidas impecavelmente, e nem muito menos para gerir as dos
outros. E é exatamente por isso que
precisamos de liberdade — principalmente liberdade econômica — para
experimentar, acertar, errar, ser bem-sucedido, fracassar e imitar os outros
para aprimorar.
O argumento em prol da liberdade não parte da
premissa de que os indivíduos são altamente racionais e capazes de sempre
tomaram as decisões ótimas. Ao contrário,
ele parte da humilde crença que reconhece que temos limites reais à nossa
racionalidade.
E é essa humildade a base para o argumento em prol
da liberdade: a única maneira de progredirmos é deixando as pessoas livres para
inovar e imitar, criando e aprimorando instituições que fornecem a informação e
os incentivos necessários para mensurar o sucesso e motivar a imitação.
É exatamente isso que o livre mercado e a liberdade
social fornecem. Não somos sábios e
sensatos o bastante para criar tal sociedade numa prancheta, mas podemos
facilmente ceder àquele orgulho arrogante capaz de destruir toda a ordem que
faz a liberdade funcionar mesmo em meio a toda a limitada racionalidade que caracteriza
os mais avançados ocupantes do planeta terra.
O argumento em prol da liberdade é aquilo que
aprendemos uns com os outros, e não aquilo que cada um de nós sabe.