quarta-feira, 17 ago 2016
A Justiça
do Trabalho brasileira, que compartilha fortes semelhanças com
tribunais de exceção, deu um passo adiante para declarar isso de forma
explícita: os juízes do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP)
divulgaram nesta segunda-feira passada uma declaração atestando que a Justiça
do Trabalho é um "poderoso
instrumento de distribuição de renda".
Em outras
palavras, eles estão agora abertamente confessando que aplicam uma regra que
não existe no ordenamento jurídico, que é inconstitucional[1],
e que corrobora o caráter de exceção de sua "justiça".
A
concentração de renda, em si mesma, não é algo ruim. O mais
irônico, contudo, é que é possível, por meio das ciências econômicas, afirmar
que a Justiça do Trabalho funciona como uma instituição que atua fortemente em prol da concentração geral de renda na
sociedade brasileira.
Como já está
comprovado, o governo é um dos maiores, se não o maior, causadores da concentração de
renda do país. Porém, mesmo assim, o
tribunal que visa "distribuir riquezas" age fortemente no sentido contrário.
Essa conclusão pode ser retirada a partir de cinco premissas abaixo.
Premissa 1: redução do incentivo para contratar
É visível
a insegurança jurídica gerada pela Justiça do Trabalho. Em todos os campos do
espectro ideológico, essa afirmação é aceita como quase universal. Seja para um
portal
de visão esquerdista, para comentaristas
independentes, para advogados
corporativos, ou para entidades
do comércio, a Justiça do Trabalho é indiscutivelmente uma panaceia de
incerteza e riscos para as empresas. Bizarramente, os bancos são considerados "clientes"
do Tribunal Superior do Trabalho. Até o doutrinador
de extrema-esquerda, Lenio Streck, já reconheceu o sofrimento
que advogados passam perante os juízes na seara trabalhista.
As
consequências dessa incerteza serão analisadas em todas as premissas abaixo.
Nesta premissa especificamente, veremos como a insegurança jurídica causa um
forte desincentivo para que um empregador contrate novos empregados.
Quando uma
empresa calcula o impacto de uma contratação sobre o seu orçamento, quanto
maior a incerteza dos eventuais custos que um contratado trará para o orçamento
geral, maiores serão os desincentivos para o empregador contratar. Consequentemente,
o empregador irá preferir redirecionar seus ativos disponíveis para
investimentos mais seguros.
Em termos
mais filosóficos, pode-se dizer que a Justiça do Trabalho acaba gerando a
posição menos desejável entre as disponíveis para o indivíduo empreendedor.
Assim, o incentivo é que ele invista seu capital disponível em outras formas
mais seguras de retorno, uma vez que toda ação tem o objetivo de colocar o
indivíduo em uma posição mais confortável do que no momento anterior.
Contratar
um empregado, portanto, torna-se a opção mais arriscada (e menos confortável).
A
concentração de renda desse risco criado vem tanto do aumento do desemprego, causado
pela diminuição na contratação causa, como também pelo fato de que o empregador
vai manter seus ativos investidos em áreas com menos recursos humanos. Será
preferível, por exemplo, que o empregador mantenha sua empresa com menos
funcionários e invista em rendimentos externos — como no mercado financeiro ou
em títulos públicos — em vez de expandir seu negócio.
Altos
executivos do HSBC sugeriram explicitamente que as incertezas causadas pela
Justiça do Trabalho levaram
o banco a sair do país.
Ironicamente,
a Justiça do Trabalho acaba desincentivando a própria geração de emprego,
concentrando renda na mão dos empregadores.
Premissa 2: incerteza jurídica gera diminuição na
oferta de salários e de tempo de contrato
Outra
área em que a incerteza gera poderosos desincentivos para a ação contratual é na
negociação salarial e no tempo do contrato do emprego.
A lógica
é a mesma da premissa anterior, mas aplicada ao momento em que o empregador
finalmente efetua uma contratação. Nesse sentido, quanto maior o salário que
ele oferece, maior o risco de um futuro revés financeiramente negativo criado
pela insegurança da Justiça do Trabalho.
Com efeito,
quanto maior o salário, maiores serão os potenciais valores de indenização a
serem pleiteados e a serem julgados pelos "justiceiros
sociais" da Justiça do Trabalho. Maior a possibilidade de um juiz forçar
uma "redistribuição de renda".
Assim,
surgem incentivos para que o salário oferecido seja o menor possível. Da mesma
forma, quanto mais longo o contrato de trabalho, maior a possibilidade de risco
total (liability). Dado o prazo de prescrição
de 5 anos na seara trabalhista, quanto mais se aproxima desse tempo, mais
aumenta o risco de perdas financeiras por uma eventual ação trabalhista. Isso
pode explicar por que o Brasil tem uma das maiores
taxas de rotatividade empregatícia no mundo, ainda que a qualidade geral da
mão-de-obra brasileira seja baixíssima comparada com a do resto do mundo, pior
inclusive que Paraguai e Bolívia.
Logo, com
incentivos para salários baixos e contratos curtos (independentemente da
produtividade do empregado), claramente a renda acaba concentrada — novamente
— na mão do empregador.
Mais uma
consequência econômica gerada pelos juízes trabalhistas brasileiros.
Premissa 3: desacertos financeiros pós-contratos de
trabalho
No
momento do encerramento de um contrato de trabalho, o empregador possui muitos
incentivos para não fechar um acordo
simples e rápido com o empregado, a fim de dirimir quaisquer vencimentos
pendentes ou indenizações cabíveis (por mais injustas que elas possam ser).
Em vez de
fechar um acordo extrajudicial, o empregador tem incentivos para aguardar uma
demanda trabalhista, uma vez que a incerteza jurídica significa que ele não tem
como saber (de forma alguma) com certeza os valores devidos, especialmente se
existe algum assunto contencioso. A insegurança de não saber o que será devido
ao final de pendenga gera uma passividade entre as partes.
Não só
isso prejudica o empregador, que não consegue planejar com precisão seu
negócio, como também mantém um montante que poderia já ser do empregado há mais
tempo na mão de seu ex-empregador. Como um bom seguidor da Escola Austríaca
sabe, ter o dinheiro no momento zero (agora) é mais valioso do que ter essa
mesma quantia em qualquer momento futuro. O empregado sai perdendo.
O
resultado? Mais "concentração de renda" causada pela Justiça do Trabalho na mão
do "explorador" empregador.
Premissa 4: incerteza jurídica pressiona gastos
elevados com custos de transação
De acordo com Ronald
Coase, como apontado pelo autor
austríaco Israel Kirzner, custos de transação são os gastos associados a
tudo aquilo que envolve a passagem de um serviço ou bem em produção para
entidades com interfaces separadas.
No caso
do contrato trabalhista, os custos de transações acabam sendo majorados pela
incerteza jurídica, gerando a necessidade de investimento pesado, por parte dos
empregadores, em um setor estratégico que não apenas não produz riqueza, como
ainda a absorve de forma geral: estamos falando do próprio setor jurídico.
Em vez de
investir na sua empresa de forma a aumentar a produção, a produtividade ou até
mesmo expandir os recursos humanos, o empresário se vê forçado a gastar
substancialmente com advogados — isso quando não tem de estabelecer um setor
jurídico próprio para lidar com as excessivas e imprevisíveis demandas
trabalhistas.
Não é por
acaso que o advogado brasileiro acaba virando um burocrata privado em vez de um
exímio argumentador, como em países de diferentes tradições legais.
Não só os
gastos acabam sendo focados demasiadamente em departamentos jurídicos, como
todo o esforço para a diminuição de riscos por meio da advocacia preventiva
acaba se esfacelando, uma vez que a insegurança da Justiça do Trabalho não
permite que seja montada uma estratégia legal que evite a ocorrência de
contenciosos.
Todo
contrato de trabalho será sempre um ato jurídico arriscado para o empregador,
não importa o quão preparado ou "blindado" esteja o contrato.
A
concentração de renda decorre então de maneira direta por meio de um reforço da
primeira premissa, na medida em que a expansão na contratação recebe desincentivos,
e de forma indireta por meio da alocação de recursos para gastos com custos de
transação (advogados, Ministério Público do Trabalho, custas legais etc.).
Em decorrência
disso, investimentos que aumentariam a produtividade e produziriam mais riqueza
para a sociedade acabam não sendo feitos.
Como não foram feitos, ninguém — exceto um economista treinado — consegue
perceber a oportunidade perdida.
Como bem
explicou o economista Frédéric
Bastiat, para que possamos realmente entender as consequências de uma
política, temos de considerar tanto "aquilo que é visto como aquilo que
não é visto". Segundo ele:
Na esfera
econômica, um ato, um hábito, uma instituição, uma lei não geram somente um efeito, mas uma série de
efeitos. Dentre esses, só o primeiro efeito é imediato.
Manifesta-se simultaneamente com a sua causa. É visível. Os
outros só aparecem depois e não são visíveis. Podemo-nos dar
por felizes se conseguirmos prevê-los.
Entre um mau e um bom economista existe uma diferença:
o primeiro se detém no efeito que se vê; já o outro leva em conta
tanto o efeito que se vê quanto aqueles que se
devem prever.
Todos
saem perdendo. Menos os juízes trabalhistas.
Premissa 5: a Nobreza Judiciária
"Um
suntuoso estilo de vida, donos de cargos públicos de mais alto poder, força e importância,
e ameaça aos súditos que ousam não respeitar seus títulos": poderia ser a
nobreza da idade medieval, mas em verdade se trata dos
juízes brasileiros.
O Brasil
tem um dos judiciários mais caros do mundo, principalmente pelos altos gastos
com recursos humanos. Os custos com salários de juízes em relação ao PIB per capita
brasileiro são maiores que os de qualquer outro
país com tantos magistrados, superando inclusive países de alta renda, como
Alemanha e Estados Unidos, conforme demonstram os gráficos a seguir com dados
obtidos da European
Commission on Efficiency of Justice, do Administrative
Office of United States Courts, do Judiciário
em Números (Brasil), e dados macroeconômicos de 2015.

Não é
ótimo desviar sua função na sociedade, destruir a criação de empregos e de
riqueza e receber polpudos salários pagos por esses mesmos trabalhadores "explorados"
enquanto brada aos quatro ventos que você é o herói que vai fazer "justiça
social" ao "redistribuir renda" com uma caneta em suas mãos?
Conclusão
Ainda que
a concentração de renda não seja algo problemático, ao contrário do que o
mantra estatista geral reproduz, a Justiça do Trabalho e seus magistrados
mantêm um papel ativo quando se trata de diminuir a produtividade, aumentar o
desemprego, destruir a criação de riquezas, criar um ambiente jurídico inóspito
para a inovação e o crescimento profissional e — como este artigo tentou demonstrar
— concentrar renda na mão de poucos.
Especialmente
se esses poucos são eles mesmos.
[1] De uma forma ampla, a aplicação do art. V,
inciso II, da CF/88 é o reflexo do princípio da legalidade aplicado a áreas
não-criminais. Ver: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm