quinta-feira, 14 dez 2017
Em um encontro com estudantes de economia do Instituto dos Chartreux, com sede na
cidade de Lyon, França, o papa Francisco fez
um alerta:
É essencial que
desde já, e em sua vida profissional futura, vocês aprendam a permanecer
isentos do fascínio do dinheiro e da escravidão que ele cria para quem faz dele
um culto. É importante que possam ter a força e a coragem de não obedecer
cegamente à mão invisível do mercado.
Francisco também os aconselhou a se tornarem "promotores
e defensores de um crescimento na igualdade".
O papa tem um ponto
Embora seja um economista profissional, devo dizer
que sou simpático às observações do papa Francisco. Com efeito, creio que
muitos de meus colegas defensores da economia de mercado são afoitos demais ao
ignorar e desprezar críticas ao livre mercado dizendo que são rudimentares, desta
forma ignorando sentimentos arraigados que motivam a popular desconfiança em relação
ao capitalismo.
Especificamente sobre os comentários do papa aos
estudantes em Lion, creio que todos podemos concordar com Francisco que, de
fato, o fascínio e o encanto do dinheiro são uma armadilha para aqueles o veneram e fazem dele um culto (nas
palavras dele próprio).
A Bíblia ensina que o amor ao dinheiro é a "raiz de
todo o mal", e as pessoas de todas as tradições religiosas — ou as que não têm
religião nenhuma — certamente podem reconhecer que a busca obcecada e bitolada
pela riqueza material não é um modo de vida.
Mas ele não está totalmente correto
Tendo concordado com o papa até aqui, devo dizer
que discordo profundamente de seu repúdio à "mão invisível".
Não é que eu simplesmente acredite que o papa
Francisco deveria apreciar melhor o funcionamento da economia de mercado. Sendo
eu um cristão devoto, creio que essa famosa metáfora de Adam Smith ilustra um padrão
na maneira como Deus lida com Seus filhos caídos: afinal, a "mão invisível" é
exatamente o arranjo que faz com que o interesse próprio, o individualismo e a
busca pelo dinheiro e pela riqueza se transformem, ainda que inadvertidamente,
em cuidado e preocupação para com o bem-estar de terceiros.
Em uma genuína economia de mercado — isto é, em um
ambiente no qual não há subsídios, não há protecionismos e privilégios garantidos
pelo governo, e não há barreiras governamentais à entrada de concorrentes —,
o interesse próprio e a busca pela riqueza fazem com que a cooperação social
seja estimulada e, consequentemente, terceiros sejam beneficiados pelas
interações voluntárias no mercado.
Para ilustrar isso, suponha que João seja um indivíduo
completamente egoísta, individualista e obcecado em acumular riqueza. Ele só
pensa em si próprio, venera o dinheiro e quer enriquecer rapidamente. Só que,
em uma economia de mercado, na qual os direitos de propriedade de terceiros são
respeitados, João só pode alcançar esse objetivo se ele induzir todos os outros
indivíduos a voluntariamente cooperarem com ele.
Ou seja, João terá de oferecer algo que seja do
interesse desses outros indivíduos.
Mais ainda: João só conseguirá isso se o que ele
oferecer for melhor do que todas as alternativas existentes. João não pode
coagir ninguém a consumir seus bens e serviços.
Sendo assim, embora seja egoísta e não se importa
em nada com os outros, João tem de agir de maneira a atender os interesses daqueles
que estão ao seu redor. Só assim João poderá alcançar seus próprios
interesses.
Vale enfatizar: mesmo que João seja um "adorador
do dinheiro" e esteja obcecado apenas em enriquecer, ele — para alcançar seus
objetivos — terá inevitavelmente de beneficiar terceiros no mercado,
fornecendo-lhes bens e serviços de qualidade, e esperando que essas pessoas,
voluntariamente, consumam estes bens e serviços. E para que elas consumam
estes bens e serviços fornecidos pelo egoísta João, estes têm de ser de
qualidade.
Desta forma, o egoísmo de João é domado e
direcionado para a cooperação com terceiros, fornecendo-lhes mais opções de
consumo e beneficiando-lhes como resultado desta interação.
Esse é o milagre descrito na metáfora da mão
invisível de Adam Smith.
Sim, empreendedores são motivados pelo desejo de
auferir lucros monetários. No entanto, em uma economia de mercado, a única
maneira de um empreendedor auferir lucros é servindo bem seus clientes.
Foi por isso que, em meu livro Lições a um Jovem Economista,
escrevi:
Um dos mais belos aspectos de uma economia de
mercado é que ela é capaz de domar as pessoas mais egoístas, ambiciosas e
talentosas da sociedade, fazendo com que seja do interesse financeiro delas se
preocuparem dia e noite com novas maneiras de agradar terceiros. Empreendedores
conduzem a economia de mercado, mas a concorrência entre empreendedores é o que
os mantém honestos.
Ou, citando o próprio Adam Smith em seu livro A
Teoria dos Sentimentos Morais:
Por mais que um indivíduo seja tido como egoísta,
há evidentemente alguns princípios em sua natureza que o tornam interessado no
bem-estar de terceiros, e que fazem com que a felicidade deles seja necessária
a ele. [...] Restringir nossas emoções egoístas e satisfazer as emoções
benevolentes é o que constitui a perfeição da natureza humana.
Em outras palavras, nosso interesse individual
inclui o aprofundamento da nossa natureza benevolente.
Empreendedores em busca do lucro têm
necessariamente de se preocupar com a satisfação dos outros. E atender aos
desejos e demandas de terceiros não só é o exato oposto da ganância e do individualismo,
como também é profundamente benevolente.
A mão invisível é o que transforma ganância em benevolência
Por tudo isso, empreendedores que "obedecem cegamente
à mão invisível do mercado" estão fazendo algo muito maior do que "cultuar o
dinheiro". Em uma genuína economia de mercado, é somente por meio da
melhoria contínua de seus bens e serviços que um empreendedor pode prosperar. E
isso irá ocorrer somente se ele se dedicar o bastante para agradar a terceiros.
De novo, tal postura é o exato oposto de ganância e
desconsideração por terceiros.
Se um empreendedor colocar seus interesses próprios
acima de tudo, e deixar os interesses de seus consumidores em segundo lugar,
seu empreendimento irá fracassar. E, com o tempo, um empreendedor mais
altruísta, mais preocupado em agradar terceiros fornecendo-lhes bens e serviços
de qualidade, irá tomar o seu lugar.
Tudo isso nos ajuda a ver que o papa Francisco
criou uma falsa dicotomia: ele parece estar exortando aqueles que estão entrando
no mercado a ignorar os sinais de mercado e os ganhos pessoais na crença de que
isso irá ajudar os pobres e oprimidos. No entanto, o ponto de Adam Smith ao
descrever o funcionamento da mão invisível era exatamente mostrar que as
pessoas em busca de ganhos pessoais — desde que suas atividades se baseiem em
trocas voluntárias e consensuais — acabam promovendo o bem-estar de terceiros.
Em uma economia de livre mercado, a única maneira
de alguém se tornar bilionário é criando novos produtos ou serviços que milhões
de pessoas queiram usufruir.
A mão invisível é uma mão benevolente
Os cristãos em especial deveriam apreciar este
aspecto do capitalismo e da economia de mercado. Assim como no livro de Gênesis
José diz a seus irmãos — que conspiraram contra ele — que Deus transformara
suas más ações em boas ações, Adam Smith explicou que a mão invisível é um
mecanismo benevolente que direciona a ganância e a ambição de alguns para o benefício
das massas.
Para coordenar a atividade econômica e mais bem
servir aos outros, os seres humanos têm de recorrer às informações emitidas pelos
preços de mercado. Estudantes que estão entrando no mercado de trabalho
precisam ser guiados pelo sistema de preços de mercado e seu inerente mecanismo
de lucros e prejuízos. Apenas assim eles poderão criar valor para terceiros. Apenas
assim eles saberão como oferecer bens e serviços a quem realmente está
demandando.
De resto, para promover da melhor maneira possível o
desenvolvimento material das regiões mais
pobres do planeta — e assim reduzir a desigualdade —, empreendedores devem sim
se esforçar para aumentar seus lucros praticando transações voluntárias. A busca
pelo lucro, quando feita desta maneira, não só não prejudica os pobres, como os
beneficia enormemente.
No entanto, essa busca pelo lucro de fato irá ameaçar as almas daqueles que
fazem desta busca o objetivo único e supremo de suas vidas. Neste quesito, o
papa está absolutamente certo.
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