O governo federal americano gastou US$
4,4 trilhões em 2017. Já o governo federal da Argentina gastou US$ 165 bilhões no mesmo ano.
Ou seja, os gastos do governo federal argentino
equivalem a míseros 4% dos gastos do governo federal americano.
Um desenvolvimentista olharia para esses números e
imediatamente concluiria que o motivo de a Argentina ser mais pobre que os EUA está
no fato de seu governo gastar menos que o governo americano. Se ao menos o
governo argentino gastasse mais e tentasse se aproximar dos gastos do governo
americano, todos os argentinos seriam mais ricos.
Em outras palavras, a economia argentina é ínfima comparada
à economia americana porque os políticos argentinos são mais parcimoniosos que
os políticos americanos.
Embora eu esteja exagerando um pouco (será mesmo?),
esta comparação simplória mostra como a estatística, quando despida do domínio da
teoria, pode obscurecer a realidade.
Um indivíduo minimamente versado em economia sabe
que os gastos do governo federal argentino são uma fração dos gastos do governo
federal americano precisamente porque a economia argentina é uma fração da
economia americana.
Pelo mesmo raciocínio, os gastos federais americanos
são gigantescos quando comparados a todos os outros países do mundo exatamente
porque a economia americana é bem maior que a destes outros países.
No mundo real, um governo só pode gastar se o setor
privado de seu país produzir riqueza para ele confiscar e gastar. Quanto maior
for a riqueza produzida por este setor privado, maiores poderão ser os gastos
do governo.
O governo americano pôde gastar US$ 4,4 trilhões em
2019 porque a produção e a geração de riqueza da economia americana foram
várias vezes maiores que U$ 4,1 trilhões (o PIB foi de US$ 21,4 trilhões).
Se a economia americana fosse mais pobre — isto é,
se seu setor privado fosse menos eficiente e gerasse menos riqueza —, os
gastos do governo federal americano certamente seriam muito menores.
Questão
de lógica
Quando se entende esta lógica econômica básica,
teorias desenvolvimentistas que dizem que os gastos do governo estimulam a
economia não apenas perdem o sentido, como, na verdade, passam a ser vistas
como a própria inversão da realidade. Gastos do governo não podem estimular o
crescimento econômico; ao contrário, seus gastos só são possíveis porque houve crescimento econômico.
Para o governo poder gastar, é necessário antes
haver crescimento econômico. Sem este não há aquele. Sem uma anterior produção
de riqueza, não há riqueza para ser confiscada e consumida pelo governo. Básico.
Se, por exemplo, em um passe de mágica, metade do
governo americano desaparecesse (com seus gastos caindo de US$ 4 para US$ 2 trilhões),
haveria US$ 2 trilhões a mais em posse do setor privado, disponíveis para ser
investidos, consumidos ou alocados de acordo com as preferências temporais de
cada indivíduo, e não de acordo com as conveniências de políticos, que sempre
visam a eleições.
E os efeitos disso não podem ser minimizados.
Quando o governo federal gasta, isso significa que
deputados, senadores, ministros, reguladores, secretários, comissionados e
todos os tipos de burocratas estão desempenhando um papel substantivo na alocação
de trilhões de uma riqueza que foi previamente criada pelo setor privado. Por outro
lado, quando menos desta riqueza vai para o governo, isso significa que
empreendedores, investidores e consumidores possuem mais recursos em mãos para
produzirem e, consequentemente, multiplicar a riqueza à disposição de todos.
Truísmo
Dado que o governo só pode gastar aquilo que ele
antes confiscou do setor produtivo, é ilógico dizer esta intervenção do governo
na economia tem o poder de "estimular a produção e fazer a economia
crescer".
Por isso, Mises nunca se cansava de repetir:
É sempre necessário enfatizar este
truísmo: o governo só pode gastar ou investir aquilo que ele toma de seus
cidadãos [via impostos ou empréstimos]. E seus gastos e investimentos
adicionais restringem, na mesma quantidade, a capacidade destes cidadãos de
gastar ou investir.
Os gastos do governo não têm como criar riqueza pelo
simples motivo de que algo que só é possível em decorrência da apropriação de
riqueza alheia não pode, por definição, criar riqueza nenhuma.
Para efetuar seus gastos, o governo tem necessariamente
de: a) coletar impostos (ou seja, confiscar a riqueza de empreendedores,
investidores e consumidores); b) pegar recursos emprestados (o que deixa
empreendedores, investidores e consumidores sem crédito); ou c) imprimir
dinheiro.
Nenhuma destas três medidas cria riqueza.
1) Impostos restringem a produção e o
consumo. Se uma empresa tem menos dinheiro, ela não pode nem contratar mais
mão-de-obra e nem investir mais, o que afeta sua produção e, consequentemente,
a disponibilidade de bens e serviços. Se pessoas têm menos dinheiro, elas também
não podem nem investir e nem consumir bens e serviços de empresas.
2) O endividamento do governo
— ou seja, o governo pegar recursos emprestados para bancar seus gastos — faz
com que haja menos recursos para serem emprestados para empreendedores,
investidores e consumidores. O crédito está sendo desviado para bancar os
gastos correntes do governo e não para sustentar as atividades produtivas. Isso
não tem como gerar riqueza.
3) A criação de dinheiro pode apenas fazer com que
os preços dos bens e
serviços subam, pois imprimir dinheiro não tem o poder de fazer com que
surjam mais produtos na economia. A existência de mais dinheiro (seja em
papel-moeda ou em dígitos eletrônicos) não tem o poder milagroso de transformar
recursos escassos em bens materiais. O dinheiro não é um meio de produção; ele
não produz nem bens de consumo e nem bens de capital. Logo, aumentar a
quantidade de dinheiro existente não causará uma maior produção de tratores,
carros, computadores, máquinas, sapatos, tomates e pães. O dinheiro é
simplesmente um meio de troca que facilita as transações.
Nenhuma dessas três medidas, portanto, cria riqueza. Consequentemente, nenhuma
dessas três medidas pode "estimular uma economia".
Você
é o governo - e tudo piora
Entretanto, os efeitos dos gastos do governo são ainda
piores. Eles não apenas confiscam riqueza, como na verdade destroem riqueza.
Imagine que você seja trilionário e
esbanjador. Ou seja, imagine que você é o governo. Ato contínuo, você sai
comprando computadores, laptops, carros, motos, jatinhos, imóveis, smartphones,
televisões, tratores, caminhões, retroescavadeiras, toneladas de cimento, toneladas
de café, inúmeras máquinas de fazer café, papel higiênico, sabonetes, gravatas,
ternos e afins
Ao fazer essas compras, você está provocando dois
efeitos: impedindo que haja uma maior abundância desses bens para as outras
pessoas, e desviando recursos das indústrias, obrigando-as as produzir mais
desses bens apenas para suprir a escassez deles.
Agora, imagine que você perdeu sua fonte de renda e
repentinamente cortou seu consumo. Quais as consequências?
1) Haveria mais bens disponíveis para os outros
consumidores, que necessitam deles com mais urgência que você. Os mais
pobres agradeceriam.
2) As indústrias não precisariam empregar recursos
apenas para suprir a escassez desses bens (escassez provocada por você), o que
as permitiria investir em novos processos de produção, que resultariam em maior
abundância de bens.
3) Os bens que já foram produzidos e não consumidos
(isto é, os bens que foram poupados) poderiam ser empregados em outros
processos de produção cujos produtos finais trariam óbvias satisfações para os
consumidores.
Quando se entende esses conceitos, fica mais fácil
perceber por que os gastos do governo desestimulam a poupança e atrasam o
crescimento sustentável do país.
Mesmo que o governo gastasse exclusivamente com
funcionários públicos, o efeito seria mesmo. Afinal, para gastar, o
governo precisa tributar ou pegar empréstimos. Ambas as medidas configuram
absorção de poupança e riqueza de toda a população (inclusive empreendedores e
investidores), poupança essa que poderia ser utilizada para financiar projetos
de expansão.
Conclusão
O raciocínio é realmente tautológico: para o governo
gastar, ele tem antes de tomar de alguém (seja via impostos, seja via
endividamento) ou imprimir dinheiro. Se ele tomou de alguém, esse alguém está
agora impossibilitado de consumir ou de investir. Se ele imprimiu dinheiro,
nada foi criado. E, ao gastar, ele depreda riqueza.
Como disseram Leandro Roque
e Ubiratan Jorge Iório, "Impossível mensurar os custos econômicos das empresas
que deixaram de ser abertas, dos empregos que deixaram de ser gerados e das
tecnologias que deixaram de ser criadas simplesmente porque os investimentos
não foram possíveis por causa da absorção de recursos pelo governo federal".
Por tudo isso, os gastos do governo não podem ser
vistos como uma força criadora de riqueza. Todo o gasto do governo ocorre à
custa dos outros indivíduos da sociedade. Por definição.
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