Nota do Editor
Este artigo foi originalmente publicado em outubro de 2019, auge das manifestações de rua que sacudiram o Chile.
No dia 16 de maio de 2021, os chilenos votaram para alterar completamente sua "Constituição Pinochetista", a mesma que vigorou durante o período de maior enriquecimento do país e que o alçou à posição de maior IDH e renda per capita da região. A esquerda comemorou o fato de que a nova constituição será escrita por "mulheres, indígenas e independentes", como se gênero e etnia fossem substitutos para qualidade, mérito e justiça.
Apenas mais um exemplo prático de que o populismo se alimenta das riquezas criadas, e um tenebroso lembrete de jamais devemos tomar a prosperidade como algo garantido e irreversível.
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Muitos pensavam que o Chile estivesse
imune ao populismo. Afinal, o país tem, ao lado do Uruguai, a maior renda per
capita da América do Sul (ajustada pela paridade do poder de compra), e 60%
maior que a brasileira.
Além disso, o Chile é, há dez anos, membro
da OCDE, grupo de países que implementam as melhores práticas, e ao
qual o Brasil sonha se integrar no futuro.
Entre os 34 países da OCDE, o Chile é simplesmente
aquele que possui a maior mobilidade social. Segundo
os dados da própria OCDE, 23% dos chilenos que nasceram em uma família
pobre conseguiram elevar sua renda até se situarem no grupo de população de
maior renda.

Gráfico
1: porcentagem de pessoas que nasceram no grupo dos 25% mais pobres da
sociedade que conseguiram chegar ao grupo dos 25% mais ricos
Isso significa que a probabilidade do filho de um
pai que pertence ao quartil de menor renda permanecer nesse mesmo nível é
comparativamente a mais baixa dentre todos os países da OCDE; e que a
probabilidade de que suba ao quartil de maior renda é comparativamente alta.
E, segundo uma pesquisa
da Pew Research, feita em 2017, 67% das famílias chilenas acreditam que
seus filhos conseguirão melhorar sua situação financeira ao longo dos anos.
Israel, que é o segundo país com maior nível de otimismo, está quase 20 pontos
percentuais atrás.

Gráfico 2: porcentagem de pais que acreditam que seus filhos terão uma melhor situação financeira do que eles próprios
Finalmente, segundo
a Bloomberg, o Chile tem o décimo melhor sistema de aposentadoria do mundo.
Ainda sobre este tema, virou lugar-comum a afirmação
de que o sistema de capitalização do Chile paga pouco aos seus aposentados,
sendo esta uma
fonte de insatisfação.
Entretanto, como muito bem resumiu
Helio Gurovitz:
"A
contribuição do chileno para a aposentadoria é de 10% do salário. No Brasil,
são 11% do funcionário, mais 20% do empregador. Se o chileno acumulasse todas
essas contribuições numa conta, poderia receber mais que o triplo. A culpa da
aposentadoria baixa não é, portanto, do sistema de capitalização, mas do nível
de contribuição. [...]
Chilenos
recebem menos porque contribuem menos e, mesmo assim, não estão tão distantes
do padrão global. [...]
Os
chilenos recebem em média 34% do salário de contribuição. [...] é o mesmo
patamar de Rússia (34%), Japão (35%), Estados Unidos (38%) ou Alemanha (38%).
Está acima de Reino Unido (22%), México (26%) e Austrália (32%)."
Para se aprofundar sobre este assunto, recomenda-se este vídeo,
que aborda todos os detalhes do sistema chileno.
O
populismo sabe o quer
Mas o populismo, em todo e qualquer lugar, se
alimenta do potencial de riquezas a serem pilhadas. Sendo assim, ele acaba de
regressar ao Chile, e com furor.
O país, como todo o planeta sabe, está sendo
sacudido por uma onda de violentas manifestações. Confira um compêndio no vídeo
abaixo.
Nem todos estavam alheios a esse risco. O analista
político-econômico chileno Axel Kaiser advertiu em 2007 no livro "El
Chile Que Viene" sobre a falsa sensação de segurança após seguidos anos de
crescimento e previu a ruptura social que resultaria das péssimas políticas
públicas do governo da socialista Michelle Bachelet. (Algo que também foi
antecipado pelo Instituto Mises Brasil aqui
e aqui).
As angústias da população têm fundamento. As tarifas
de serviços de utilidade pública têm subido mais que o aumento de renda, em
parte por conta da alta
de 10% do dólar desde março. A qualidade dos serviços públicos vem se deteriorando
há muito tempo (uma inevitabilidade dos serviços estatais). E, por fim, embora
o crescimento seja robusto, estimado em 2,5% em 2019, não é suficiente para
dinamizar a renda como outrora.
No entanto, as demandas outrora pacíficas das ruas passaram
a ser exploradas por grupos políticos e ideológicos com o intuito de implantar
uma nova Constituição, bem ao estilo
de Hugo Chávez. Aliás, é um clássico na América Latina a dificuldade da
esquerda em aceitar a perda de uma eleição e sua disposição em desestabilizar
qualquer governo não alinhado com a suposta superioridade de seus ideais.
Seguindo a cartilha, a extrema esquerda (Frente
Ampla e Partido Comunista) se recusa
a dialogar e já pede
a renúncia do presidente Sebastián Piñera.
Ainda mais grave, tolera os atos generalizados de
vandalismo e depredação que já causaram a morte
de 18 pessoas, além de dezenas de milhões de dólares de prejuízo
patrimonial. Por último, exige que os militares empenhados em restabelecer a
ordem saiam
das ruas. A violência é uma de suas armas.
A maior parte da população está apreensiva com a
segurança de sua família e com a dificuldade de chegar ao trabalho. Muitos
devem se dar conta de que serão vítimas da desordem que a esquerda incita. A
maioria silenciosa vencerá desta vez? É difícil dizer.
Causa estranheza que os especialistas na mídia ao
redor do mundo, inclusive no Brasil, unanimemente
apontem a desigualdade de renda como a causa primordial dos protestos,
desconsiderando a complexidade dos fatos. No Twitter, chegou ao trending topic #1 no mundo a hashtag
"PiñeraDictador". É a prova de que os agitadores de esquerda estão vencendo a
batalha de narrativas.
E, ao que tudo indica, estão também triunfando no
mudo político e econômico: ainda ontem, o presidente Piñera anunciou
um "pacote
de bondades" (com o dinheiro alheio):
- Renda mínima garantida de 350.000 pesos
mensais (1.950 reais) para todos os trabalhadores de jornada completa (quando o
salário for inferior a essa cifra, os pagadores de impostos bancarão a
diferença).
- Aumento de 40% nos impostos para as
rendas superiores a 8 milhões de pesos (45.000 reais).
- Aumento de 20% nas aposentadorias (a
medida, segundo o governo, beneficiará 590 mil aposentados e 945 mil
pensionistas)
- Criação de um "mecanismo de
estabilização" das tarifas elétricas, anulando a recente alta de 9,2%.
- Projeto de lei que cria um teto nos
gastos com saúde pela famílias chilenas. Os valores que extrapolem o teto serão
cobertos pelos pagadores de impostos.
- Ampliação do convênio entre o sistema
público de saúde (o Fundo Nacional de Saúde - Fonasa) e as farmácias, com o propósito
de reduzir o preço dos medicamentos.
O custo total está inicialmente estimado em 1,2
bilhão de dólares (4,9 bilhões de reais).
Conclusão
Ao menos até agora, a esquerda venceu e o seu pacote
foi estabelecido. Aos populistas, sabemos, é irrelevante se há ou não dinheiro
para tal — pois o "dinheiro do governo" é oriundo da tributação de bens e serviços; mas como a produção de bens e serviços é, por definição, limitada e escassa (ao passo que a demanda por benesses é infinita), então o orçamento do governo sempre será limitado.
A mentalidade marxista segue prevalente na América
Latina. Sua face visível é pavorosa como a de um joker.
No Brasil, aprendemos muito entre os protestos
de 2013 e 2015. Que também no Chile "o triunfo do homem verdadeiro surja
das cinzas de seu erro", como dizia o comunista Neruda.