A SÉRIE "Mad Men" ainda
não estreou no Brasil. Lamento. Melhor é impossível. "Mad Men" é o
retrato perfeito dos publicitários da Madison Avenue na Nova York sofisticada
de 1960. Mas é mais do que isso. Um fresco sobre a grande transição americana:
do aburguesamento dos "fifties" à contracultura dos "sixties".
Do tédio à lixeira.
Um pormenor, porém, não deixa de
causar espanto entre os filistinos: o fumo. Em "Mad Men", toda a
gente fuma com uma naturalidade que nos parece herética. Dentro dos edifícios,
fora dos edifícios. Mães, pais. Patrões. Empregados. E médicos, é claro, a
começar por um ginecologista que segura o cigarro com uma mão e faz o exame com
a outra. Equilibrismo puro.
Tanto fumo não deveria espantar.
Pessoalmente, ainda recordo o tempo heroico em que o meu avô me levava ao
cinema e fumava, em plena sala, do princípio ao fim.
E, historicamente, "Mad
Men" está na viragem. Em 1950, Richard Doll publicava o primeiro grande
ensaio científico sobre a relação direta entre fumo (ativo) e doença. Só em
1970 chegou o mito do "fumo passivo". Digo "mito" e digo
bem. Ainda está para aparecer o primeiro estudo cientificamente rigoroso capaz
de mostrar uma relação sustentada entre "fumo passivo" e câncer.
O que não significa que não existam
estudos sobre essa hipótese. Christopher Booker, um especialista sobre as
nossas histerias modernas, normalmente lembra dois. Os maiores e mais recentes.
O primeiro foi realizado pela Agência Internacional para a Pesquisa do Câncer,
da Organização Mundial de Saúde. O segundo foi dirigido, durante 40 anos, por
James Enstrom e Geoffrey Kabat para a Sociedade Americana de Câncer através da
observação de 35 mil não fumantes que conviviam diariamente com fumantes.
Resultados? Repito: um mito é um mito é um mito.
Mas a ideologia é a ideologia é a
ideologia. De vez em quando, afirmo que alguns traços nazistas sobreviveram a
1945. Sou insultado. Não respondo. Basta olhar em volta para perceber que
algumas das nossas rotinas médicas mais básicas teriam agradado ao tio Adolfo e
à sua busca de perfeição terrena. Exemplos? Certas formas de eugenia
"respeitável", praticadas por milhões de pessoas quando recebem uma
má ecografia. Ou a demonização absoluta que o fumante moderno conhece nos
Estados Unidos. Na Europa. E agora, hélas, em São Paulo.
Leio a legislação antifumo do Estado
de São Paulo e reconheço a natureza totalitária dela, novamente dominada por
uma ideia iníqua de perfeição física.
Tudo começa pela elevação da mentira
a dogma: o dogma de que "fumo passivo" é um perigo fatal para
terceiros. O dogma não é apenas fantasioso; é também perigoso, porque
estabelece de imediato uma divisão moral entre os agentes da corrupção (os
fumantes) e as vítimas inocentes (os abstêmios). É só substituir
"fumante" por "judeu"; e "abstêmio" por "ariano"
para regressar a 1933.
E regressar a 1933 é regressar a um
mundo que desprezava a liberdade individual com especial ferocidade. A lei
antifumo cumpre esse propósito. Proibir o fumo em lugares fechados, como bares
ou restaurantes, é um ataque à propriedade privada e à liberdade de cada
proprietário decidir que tipo de clientes deseja acolher no seu espaço. O mesmo
raciocínio aplica-se aos clientes, impedidos de decidir livremente onde desejam
ser acolhidos.
Mas o melhor da lei vem no
policiamento. Imitando as piores práticas das sociedades fechadas, a lei
promove a delação como forma de convivência social. Por telefone ou pela
internet, cada cidadão é convidado a ser um vigilante do vizinho, denunciando
comportamentos "desviantes". Isso não é regressar a 1933. É, no
mínimo, um regresso à Rússia de 1917. Se juntarmos ao quadro uma verdadeira
"polícia sanitária" que ataca à paisana, é possível concluir que o
espírito KGB emigrou para o Brasil.
Finalmente, lembremos o essencial:
os extremismos políticos só sobrevivem em sociedades cúmplices, ou pelo menos
indiferentes aos extremistas. Será São Paulo esse tipo de sociedade?
Parece. A última pesquisa Datafolha
é sinistra: a esmagadora maioria dos paulistas (88%) aprova a lei antifumo. Só
10% se opõem a ela. Só 2% lhe são indiferentes. Mais irônico é olhar para os
fumantes: depois de anos e anos de propaganda e desumanização, eles olham-se no
espelho, sentem o clássico nojo de si próprios e até concordam com a lei (77%).
Razão tinha Karl Kraus quando afirmava, na Viena de inícios do século, que o
antissemitismo era tão normal que até os judeus o praticavam. Péssimo presságio.
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