segunda-feira, 17 0aio 2010
N. do T.: para uma
melhor compreensão do artigo a seguir, que versa sobre o funcionamento do
mecanismo de determinação dos juros, recomenda-se a leitura desse artigo, que
explica de modo mais detalhado todos os meandros desse sistema.
Há uma piada antiga em que um cara pergunta para o outro:
"Qual a diferença entre uma cortina e um papel higiênico?". O outro diz: "Não sei. Qual?". E o primeiro responde: "Então você está
proibido de entrar na minha casa!"
Vendo os economistas "especialistas" debaterem a atual crise
financeira, percebi que a piada acima pode ser modificada. Hoje eu perguntaria a eles "Qual a diferença
entre política monetária e taxas de juros?".
Aquele que respondesse "Não sei.
Qual?" estaria proibido de dar seus conselhos aos governos. Qualquer "especialista" que confunda dinheiro
e juros irá, sob certas condições, inevitavelmente fornecer recomendações horríveis,
como veremos mais abaixo.
Dinheiro e Juros São Coisas Distintas
Embora muitos tenham sido levados a crer que um aumento na
oferta monetária é a mesma coisa que
uma diminuição na taxa de juros, ambas são coisas bem diferentes. Na realidade, a conexão aparentemente óbvia
entre crescimento monetário e taxas de juros é, em grande medida, um acidente
de percurso decorrente da maneira como os bancos centrais se desenvolveram
historicamente. Em uma economia genuinamente
baseada na propriedade privada, os escavadores de ouro - isto é, os produtores
de dinheiro - não teriam absolutamente qualquer conexão direta com as taxas de
juros. Caso os escavadores decidissem,
por exemplo, aumentar sua produção, essa decisão teria um impacto direto muito
pequeno sobre as taxas de juros.
Os bancos centrais, de maneira bastante arbitrária, injetam dinheiro novo na economia por meio dos mercados
de crédito. Suponhamos, para facilitar o
entendimento, que o governo controle totalmente a "indústria monetária". E suponhamos ainda que estejamos em uma
situação em que o governo determina que uma injeção de mais dinheiro se faz
necessária para tirar o mercado de sua letargia (não é esse o argumento?). Ainda assim, não há razão alguma para que o
banco central tenha de escolher a compra de títulos
da dívida como ponto de entrada para o novo dinheiro.
Este é um ponto crucial, portanto vamos nos deter um pouco
mais nele. Atualmente, quando o banco
central pratica suas "operações de mercado aberto", seus funcionários vão até o
mercado e compram, digamos, $10 milhões em títulos da dívida que estavam em
posse de um negociante de títulos qualquer (dealers
secundários). Como o banco central paga
por esses títulos? Ora, ele simplesmente
emite um cheque em nome do banco central.
Quando o negociante deposita esse cheque de $10 milhões em
sua conta, seu banco credita sua conta-corrente com $10 milhões. Após isso, esse banco irá repassar esse
cheque para o banco central, de modo que ele seja compensado. Prepare-se, pois agora vem a parte divertida:
quando o banco central recebe um cheque - escrito em nome dele próprio - do
banco A, o banco central processa esse cheque e aumenta em $10 milhões o saldo
da conta que o banco A tem junto ao banco central. Porém, não há um débito correspondente em
nenhuma outra conta bancária! A quantia
total de reservas bancárias, que são mantidas como depósitos junto ao banco
central, aumentou magicamente $10 milhões.
Como bem se lembra qualquer economista que não tenha cabulado
as aulas introdutórias de Macroeconomia I, o atual sistema bancário é do tipo
reservas fracionárias, o que significa que uma injeção de $10 milhões em novas
reservas irá na realidades fazer com que praticamente $100 milhões em dinheiro
novo entre na economia (tomando-se como base um compulsório de 10%). Mas não é nesse efeito pirâmide que quero me
concentrar.
Quero na verdade me concentrar em um fato no mínimo
excêntrico: o banco central determina que os negociantes de títulos (dealers) serão os primeiros recebedores
desse novo dinheiro injetado na economia, e pronto. Isso, porém, implica um impacto colossal na
maneira como a economia opera. Mas
raramente paramos para pensar nesse aspecto da situação, tão acostumados
ficamos a achar que tudo é natural.
Com efeito, trata-se de um arranjo horrendamente artificial. E pior: é esse arranjo que causa os ciclos
econômicos. Para ilustrar a anormalidade
desse arranjo, peguemos um exemplo mais bizarro, porém que funciona da mesma
forma que o atual: suponha que o banco central, quando quer aumentar a oferta
monetária, ao invés de recorrer ao mercado de títulos, recorresse ao mercado de
veículos utilitários esportivos (conhecidos pela sigla SUV). Nesse caso, ao invés de expandir a base
monetária comprando títulos da dívida, o banco central iria comprar SUVs. Você consegue o quanto isso iria distorcer o
mercado de automóveis?
O BC dos SUVs
Não é atípico um banco central aumentar seus ativos - isto
é, aumentar os bens adquiridos via operações de mercado aberto - na casa dos
bilhões em um período de um ano. Isso
significa que, no decurso de um ano, é totalmente possível que um banco central
coloque sua impressora em rotação máxima e acumule títulos da dívida avaliados
em, por exemplo, $5 bilhões.
Consequentemente, não é atípico que, mais à frente, o banco central
possa se desfazer rapidamente desses títulos, vendendo-os não de acordo com
alguma fórmula previsível, mas basicamente de acordo com os caprichos de um
único homem - o presidente do BC.
Tendo isso em mente, imagine agora que o BC, ao invés de
títulos, tenha acumulado enormes estoques de SUVs praticando suas operações de
mercado aberto. Nesse caso, o BC iria
até as concessionárias e lhes escreveria vários cheques em nome do próprio BC (sendo
que, como explicado, esses cheques estão lastreados por uma oferta infinita de
reservas eletrônicas, criada pelo BC ao simples apertar de teclas em um
computador).
Em troca, a concessionária iria vender um veículo de verdade para o BC. E o cliente normal que estava de olho naquela
SUV em particular teria de sair à procura de outra, porque aquela estaria dentro
de um caminhão-cegonha indo em direção aos cofres do BC.
Entretanto, esse cliente ainda teria uma outra opção: ele
poderia decidir adiar sua compra na esperança de que o BC adotasse uma política
monetária mais restritiva. Nesse caso -
quando o BC quer retirar dinheiro da economia para conter a inflação de preços
-, ele iria despejar as SUVs de volta no mercado. Aí o procedimento seria invertido:
as concessionárias comprariam as SUVs em posse do BC escrevendo cheques em nome
delas. Esses cheques, ao serem
compensados, retirariam dinheiro das contas bancárias das concessionárias. No final do processo, as reservas do sistema
bancário - as contas que os bancos têm junto ao BC - teriam uma parte de si
simplesmente deletadas.
Embora esse nosso sistema hipotético trouxesse extrema
volatilidade aos preços dos SUVs, é mais do que óbvio que as montadoras iriam adorar o arranjo, desde
que o governo atuasse como um comprador líquido de SUVs. Ou seja, desde que o estoque de SUVs em posse
do governo tendesse a aumentar ao logo do tempo, as montadoras estariam
efetivamente recebendo subsídios indiretos, mesmo se o governo jamais lidasse
diretamente com as montadoras e sempre comprasse os SUVs de revendedoras.
Os consumidores atuais e potenciais de SUVs iriam sofrer,
obviamente. Não apenas eles iriam pagar
preços mais altos, mas também estariam menos certos quanto à disponibilidade de
veículos e quanto ao preço deles, devido às intervenções constantes e
repentinas do banco central nesse mercado.
Os Preços dos Títulos e as Taxas de Juros
Distorções similares ocorrem no mundo real, mas já deixamos
de notá-las. Quando o banco central
"corta as taxas de juros", o que ele está realmente fazendo é criando dinheiro
do nada e entregando-o para as "montadoras" dos títulos. E o que é um "montador" de títulos? É apenas um termo elegante para designar um tomador de empréstimo.
O mais privilegiado produtor de títulos é, obviamente, o
Tesouro. Sim, estou convencido de que
tudo não passou de uma enorme coincidência que, ao criar o banco central - a
entidade que controla a impressora de dinheiro -, o governo tenha determinado,
explícita ou implicitamente, que o BC só poderia injetar dinheiro na economia por
meio da compra de títulos emitidos pelo Tesouro. Isso garante que, toda vez que o BC injeta
dinheiro novo no sistema, o preço dos títulos do Tesouro aumenta. Considerando-se que o Tesouro está vendendo esses títulos recém-emitidos, o
Tesouro obviamente se beneficia com esse esquema.
Por outro lado, o pessoal do setor privado que compra
títulos do governo e/ou outros títulos corporativos perdem. Se eles tivessem entrado no mercado com a
intenção de comprar um título que renda $10.000 em dez anos, eles agora terão
de pagar um preço maior por causa dessa intervenção do BC.
Um outro nome para esses compradores que estão no setor
privado é poupadores. Assim, a decisão do BC de acumular títulos da
dívida - ao invés de veículos utilitários - tem por efeito subsidiar os
tomadores de empréstimo e penalizar os poupadores. Suas ações também fazem com que as pessoas
poupem menos, ou se endividem mais, do que caso estivessem operando em um livre
mercado de títulos. Talvez ainda mais
sério, o comportamento do banco central provoca os ciclos de expansão e recessão
que misteriosamente atormentam as economias de mercado.
O BC e Seu Ataque Duplo à Economia
O que as pessoas frequentemente ignoram é o fato de que o
banco central distorce a economia de duas maneiras isoladas: primeiro, ele
destrói o valor da moeda ao expandir a oferta de dinheiro ano após ano. Mas além de aumentar generalizadamente os
preços, as ações do banco central também provocam distorções porque elas elevam
primeiramente os preços dos títulos, de modo que eles são temporariamente
maiores do que os outros preços de todos os outros bens.
Se o banco central dobrar a oferta monetária, no longo prazo
isso irá, grosso modo, duplicar os preços de todos os bens e serviços. Porém, se o banco central restringir a
injeção de dinheiro novo a somente alguns poucos recebedores privilegiados,
essas pessoas terão uma vantagem fantástica (embora temporária) em relação a
todo o resto da economia. Elas terão em
suas mãos bilhões de novas unidades monetárias ao mesmo tempo em que os preços
ainda estarão refletindo a realidade antiga.
Esse novo dinheiro irá então fluir de um setor para outro, elevando os
preços à medida que vai perpassando toda a economia. Mas as últimas pessoas na fila para receber
esse novo fluxo de cédulas recém-criadas estarão muito mais pobres que as
outras, pois, quando o novo dinheiro chega até elas, os preços já se
estabilizaram em seu novo nível. Seus
contracheques foram os últimos a subir, e, enquanto isso não acontecia, elas
ficaram apenas assistindo, desamparadamente, aos preços dobrarem. (Para uma explicação mais detalhada desse
processo, veja esse
artigo de Ludwig von Mises).
Uma Combinação Mortal
Agora, o que acontece quando a economia está em uma situação
em que (a) ela "necessita" de mais dinheiro, e (b) ela "necessita" de taxas de
juros maiores? (Estou utilizando vagamente
o termo "necessita" apenas para subentender "requerido pela eficiência
econômica"). Por exemplo, imagine um
país que até então estava economicamente isolado e agora passou a fazer parte
do mercado mundial. Seus cidadãos
originalmente comercializavam entre si com sua própria moeda domestica, mas
agora eles querem utilizar a moeda de troca internacional.
Sob um genuíno livre mercado monetário, o ouro provavelmente
seria a moeda-commodity mundial. Isso
significa que toneladas de ouro extra (na forma de barras e moedas) iriam fluir
para o país em desenvolvimento, sendo adicionadas aos encaixes de seus
cidadãos.
Mas, ao mesmo tempo, como essas pessoas saberiam que seu
padrão de vida iria avançar imensamente no futuro próximo, elas iriam querer
contrair empréstimos baseando-se em sua renda futura. Em outras palavras, agora que seu país estava
aberto ao comércio internacional, sua produtividade iria se multiplicar por um
fator de dez dentro de poucos anos.
Óbvio que a mudança não seria da noite para o dia, pois levaria algum
tempo para que as empresas multinacionais viessem e construíssem fábricas
modernas, ou começassem a extração em larga escala de recursos minerais.
Do ponto de vista dos nativos, eles iriam perceber que sue
renda média anual saltaria de, digamos, $500 para $5.000 em dois anos, ficando
nesse nível até sua aposentadoria. Nessa
situação, eles naturalmente iriam tomar
emprestado bastante dinheiro. Esse
aumento da demanda por empréstimos iria aumentar as taxas de juros, o que
atrairia mais poupança do resto do mundo e racionaria os fundos disponíveis
para outros tomadores de empréstimos.
É assim que um genuíno livre mercado iria lidar com um
cenário no qual o mercado precisa de mais dinheiro e de juros mais altos. O aumento do preço mundial do ouro iria
induzir os escavadores a elevar a produção, ao passo que o aumento do preço dos
empréstimos iria induzir os poupadores a pouparem mais (o que forneceria
crédito realmente lastreado pela poupança).
Não há razão por que as ações dos escavadores iria se conflitar com as
ações dos poupadores.
Mas o que acontece quando há um banco central manipulando a
situação? Quando ele tenta elevar a
oferta monetária, ele necessariamente joga para baixo as taxas de juros, ao
menos em relação ao nível que elas teriam na ausência da intervenção. Desta forma, em um cenário no qual as pessoas
simultaneamente querem portar mais dinheiro e
estão desesperadamente necessitadas de mais poupança, o banco central só poderá
resolver um desses problemas piorando o outro.
Isso é exatamente o que está ocorrendo na atual crise. A enorme incerteza nos mercados financeiros -
ela própria causada pelas políticas governamentais - fez com que todos
procurassem manter uma maior quantidade de dinheiro em suas posses. As pessoas não têm ideia de qual será sua
renda daqui a 6 ou 12 meses, o que faz com que elas tentem exercer um maior
controle sobre seus ativos mais líquidos.
Ao mesmo tempo, o estouro das bolhas imobiliária e
financeira revelou que muitas pessoas ricas ao redor do globo não haviam
poupado tanto quanto imaginavam. O alarme
soou pelo mundo todo: "Poupem mais! Poupem mais! Isso é uma emergência! Toda a
estrutura do capital estará em risco caso não tapemos logo esses buracos!"
Tragicamente, o atual arranjo dos bancos centrais permitiu
que os governos solucionassem apenas um dos problemas. Eles optaram por inundar os mercados com
dinheiro, derrubando desta forma as taxas de juros para o absurdo nível de
praticamente zero (em especial no EUA, na Inglaterra e no Japão).
Com isso, no momento mais crucial da história mundial, em
que as taxas de juros deveriam subir acentuadamente, elas foram derrubadas para
zero. Logo quando mais desesperadamente
se faz necessário um nível extra de poupança, os governos mundiais fizeram com
que o próprio ato de se emprestar se tornasse praticamente inútil.
Conclusão
Taxas de juros são preços, e como tais, elas devem ser
deixadas livres para que possam transmitir corretamente informações sobre o real
nível de escassez no mundo. As pessoas
falam sobre as questões financeiras que se espalham para a "economia real" como
se a alocação de capital fosse um detalhe insignificante. Muito pelo contrário, os mercados de capital
- guiados pelas taxas de juros - representam o mais importante "administrador"
da "real" economia de mercado ao longo do tempo.
Ao inundarem os mercados de crédito com dinheiro criado do
nada, os bancos centrais do mundo estão interferindo nas tentativas dos humanos
se comunicarem entre si após o estouro da bolha imobiliária. Seria como se os governos utilizassem aviões
militares para interferir nos rádios utilizados pelas equipes de resgate em uma
área atingida por um terremoto.
Os políticos e burocratas falam como se os membros do setor
privado estivessem alheios a tudo durante a crise. Mas, ao contrário, as pessoas ao redor do
mundo estão mais concentradas do que nunca em suas finanças. O problema é que os governos seguem
interferindo nos sinais que essas pessoas estão tentando mandar entre si.
Dinheiro e juros são coisas distintas. Há momentos em que a "correta" resposta do
mercado é aumentar a oferta monetária e
aumentar as taxas de juros. Como os
bancos centrais modernos só conseguem injetar dinheiro novo no sistema pelo
artifício de diminuir as taxas de juros, eles acabam piorando - e muito - os
pânicos financeiros.