Há
alguns dias atrás assisti a mais uma daquelas recorrentes notícias de apreensão
de pescado "ilegal" pelo Ibama, agora em Santarém/PA. O script é quase sempre o mesmo: barco e
peixes apreendidos, pescadores foragidos, a destinação a um órgão de
assistência, e os holofotes aos fiscais garantidores da lei.
Já
foram também várias as vezes em que tenho denunciado esta situação, qual seja,
a de o estado perseguir pessoas por meramente exercerem as suas atividades
comuns, e a questão ambiental é especial neste quesito. O quê? Eles
desobedeciam a lei do defeso? Ah, sim
claro! Tal como o faziam os judeus na
Alemanha dos anos 30! Eles também eram
foras-da-lei: andavam nas calçadas, por exemplo (o lugar deles, pela lei, eram
as sarjetas). Mas esperem que também vou
ser teimoso: questão de necessidade.
Enquanto
oficiais do governo posam com vistosas estrelas, uniformes e caminhonetes
blindadas, orgulhosos pelo bem cumprido esforço em perseguir pessoas que trabalham
e produzem, a criminalidade campeia solta em todo o Brasil, e especialmente no
Pará.
Talvez
o que ainda não tenha dado um enfoque especial seja sobre a questão do defeso,
especialmente sobre o seguro-defeso. Nas
próximas linhas, vou demonstrar aos leitores como este ato de intervenção do
estado sobre a vida das pessoas - e frise-se, idealizado por ecologistas e
sociólogos - pode acarretar um dano muito maior ao meio ambiente e às
populações acolhidas por estes pseudo-intelectuais do que as toneladas ou meia
dúzias de maparás, tambaquis e pacus que vão parar nas mãos do Fome-zero.
Analisar
questões assim não requer muito esforço - existe uma fórmula e um roteiro -
basta aplicá-los. A fórmula é esta:
"toda intervenção estatal produz efeitos colaterais mais danosos que o mal
que pretendia combater"; e o roteiro nós o seguiremos agora, atrás das
pessoas que estão envolvidas neste processo...
Comecemos
pelo seguro-defeso. Ele assegura aos
pescadores um pagamento de um salário-mínimo pelo período que durar a proibição
de pesca de uma determinada espécie, geralmente pelo motivo de ser a época da
reprodução. Somente no Pará, mais de
trezentos mil pescadores artesanais são beneficiados pela medida! Olhe o custo de tudo isto!
O
que isto significa? Em primeiro lugar,
isto significa que você e eu pagamos mais pelo peixe do que o nominalmente
cobrado nas feiras e supermercados, já que ele é subsidiado pelo estado. E isto tem uma consequência duplamente
funesta: a ação da pesca é anti-econômica, já que os pescadores precisam receber
sem produzir (o montante da venda do pescado não é suficiente para patrocinar a
atividade pelo período de entressafra), e significa também que a demanda pelo
pescado é maior do que haveria caso fosse cobrado um valor correto pelo
pescado, ou seja, capaz de manter o pescador em casa espontaneamente por tal
período de reprodução da espécie, assim como o agricultor necessita esperar
pela época da colheita.
Agora
convido o leitor a procurar pensar o que poderia acontecer se o seguro-defeso
não existisse. Se você avençou que
muitos pescadores abandonariam a profissão, não pare por aí: você está certo. Aqui a questão é: que mal há nisto? Permanecendo apenas os pescadores naturalmente
mais aptos e bem estruturados, isto significaria uma redução da oferta do pescado,
e por consequência, uma oportunidade ampliada para a multiplicação das
espécies.
A
idéia da preservação de colônias pesqueiras é fruto da invencionice de
sociólogos e políticos que enxergam nisto oportunidades para seguirem as suas
carreiras. O peixe não está dando? Vamos fabricar móveis, tecer roupas, enfim,
realizar qualquer outra atividade. Ninguém
nasce pescador. Não existe no Brasil um
regime de castas que obrigue alguém a ser pescador pro resto da vida. Mas um seguro-defeso pode ter o dom de adiar
esta decisão por um período por demais prolongado, talvez até indefinido.
Mas,
e então? O preço do pescado subiria? Talvez sim, mas isto somente informaria aos
consumidores para serem mais comedidos ao comprar peixe. Peixe? Somente
em dia de festa! E viva a preservação
ambiental! Ocorre que há um problema:
dado que a carne bovina predomina na dieta de proteínas no Brasil, é ela que
serve de parâmetro para o estabelecimento do preço do peixe, já que é a opção
mais procurada e viável. Logo, a
hipótese de um aumento desmedido deve ser afastada, sob pena de mais uma
parcela de pescadores abandonar o barco, o que novamente nos levaria à boa
notícia do aumento da população piscosa.
Agora,
temos três variáveis: uma população naturalmente reduzida de pescadores; uma
demanda não atendida por peixes, e enfim, uma limitação no preço imposta pela
opção da carne bovina. Como esta equação
pode ser resolvida? Tecnologia. Eis a resposta. A demanda passaria a ser suprida por uma
mudança da pesca artesanal para uma pesca industrial ou pela piscicultura,
ambas capazes de oferecer o peixe a um preço tão competitivo quanto é o preço
da eficiente pecuária e a uma quantidade que a pesca artesanal,
definitivamente, não é capaz de atender.
Logo,
do exposto, concluímos que é o estado, e não os pescadores perseguidos, o
principal responsável pela ação predatória. Com o seguro-defeso, ele patrocina a oferta de
peixe a um valor menor do que o que deveria ser praticado em condições normais
de mercado, e aqui podemos tirar outra lição valiosa de economia: toda ação
cujo custo sobrepuja o lucro tende a ser ecologicamente incorreta, pois
acarreta desperdício de recursos. Em uma
alegoria bem divertida, imagine um dos desenhos do personagem Pica-pau ao
mostrar uma fábrica de palitos de dente que os produz - cada um - a partir do
desbaste de um tronco inteiro!
Uma
vez, ouvi de um famoso amazonólogo, hoje falecido, o Dr. Samuel Isaac
Benchimol, que o que os governos deveriam fazer era investir no povoamento dos
rios. Ora, uma única fêmea é capaz de
dar à luz, digo, à água, mais de cinco mil alevinos! Se cada estado do Norte mantivesse um
instituto que despejasse nas águas dos igarapés os filhotes de várias espécies,
esta seria pelo menos uma ação estatal bem mais eficiente, barata e pacífica do
que manter órgãos de repressão para perseguir pessoas pacatas.
Depois
do que vimos aqui, será que vale a pena discutir sobre as eventuais fraudes
neste sistema? Poderíamos vislumbrar
pescadores de fachada, que se inscreveriam no programa só pra receber o auxílio?
Naqueles que, como as notícias apontam,
o recebem e descumprem o defeso, praticando a pesca? E que tal os que fazem tudo isto e se safam
subornando as autoridades? Podemos
também imaginar um ou mais sindicatos de pescadores cujos dirigentes que vão
ganhar dinheiro fácil sem pescar, com ou sem defeso? Melhor não...deixemos isto de lado... isto
seria impensável...não é?