N. do T.: obviamente o título acima
foi adaptado ao artigo do autor, o qual, sem qualquer juízo de valor, faz uma
análise precisa sobre uma situação que se aplica perfeitamente ao drama
carioca.
Economistas pró-livre mercado são rápidos para argumentar que os "serviços" ofertados
pelo governo não são úteis para absolutamente nada - ou, pelo menos, que não
são tão úteis e prestimosos quanto os serviços fornecidos voluntariamente no
setor privado. Ironicamente, as críticas
econômicas convencionais que estes fazem à proibição estatal das drogas
baseiam-se na suposição de que os tribunais e a polícia estatais oferecem um
bom serviço.
Neste artigo proponho-me a solucionar o aparente paradoxo e mostrar que o
argumento em favor de se tirar o governo de algumas áreas não requer que o
governo tenha um monopólio em outras áreas - especificamente, lei e ordem.
O argumento econômico padrão contra a
proibição das drogas
No típico argumento livre-mercadista em prol da legalização das drogas, o
economista irá argumentar que a proibição gera violência desnecessária, uma vez
que as quadrilhas entram em guerra entre si para disputar territórios
lucrativos e estratégicos, frequentemente matando inocentes nesse
processo. A ilustração clássica desse
fenômeno é a matança que ocorria no submundo durante a época da Lei Seca em
Chicago. Nos dias de hoje, seria
inconcebível que executivos de cervejarias rivais saíssem por aí chacinando
seus concorrentes - não obstante esse método tenha feito perfeito sentido para
Al Capone em relação a seus competidores.
Até aí, o argumento está correto.
Entretanto, quando o economista tenta ir além dessa observação geral
para explicar por que a proibição
leva à violência, ele frequentemente diz algo mais ou menos assim: "Quando o
álcool ou a cocaína são ilegais, os vendedores desses produtos não podem
recorrer aos tribunais ou à polícia para protegerem sua propriedade e garantir
que os contratos sejam honrados.
Consequentemente, eles têm de se armar até os dentes; e se alguém tentar
trapaceá-los, eles têm de resolver as coisas por conta própria, pois chamar a
polícia está fora de questão."
Tal explicação pode soar plausível para um liberal clássico, que acha que o
governo faz um bom trabalho fornecendo serviços de judiciário e de fiscalização
de cumprimento de contratos. Mas para um
anarcocapitalista, que consistentemente diz que um governo corrupto e faminto
por poder irá gerir um departamento de polícia tão bem quanto administraria uma
montadora de automóveis, essa postura em relação à legalização das drogas
parece um tanto esquisita. Pois o que
está sendo dito é que a violência é causada pela inação do governo, por sua recusa em utilizar seu monopólio da
força e da justiça com mais frequência.
A implicação óbvia parece ser a de que, se a polícia nunca respondesse a
nenhum pedido de ajuda, de quem quer que seja, a sociedade entraria em colapso.
Esse diagnóstico está totalmente invertido.
O razão por que a proibição das drogas produz enormes estragos nas
relações sociais se deve ao fato de ela, a proibição, introduzir mais intervenções no mundo; o problema é que o governo está
utilizando sua polícia e seus tribunais excessivamente.
Por exemplo, imagine uma área pobre de uma grande cidade, infestada de
quadrilhas de traficantes que aparentemente circulam por ali sem qualquer
restrição, vendendo abertamente drogas nas ruas e becos e descarregando rajadas
de metralhadora em qualquer um que apresente um comportamento minimamente suspeito. A maioria das pessoas iria pensar: "Esse
bairro é uma anarquia! Está faltando
estado aqui! Se ao menos a polícia
aparecesse de vez em quando para aplicar as leis... Mas não, ela é totalmente indiferente ao
sofrimento dessa comunidade."
Novamente, esse diagnóstico está invertido.
A vizinhança está nessa situação terrível justamente porque a polícia
opera ali com impunidade. Se a polícia realmente nunca se preocupasse
em impor qualquer lei naquela área, então ninguém teria de se preocupar com o risco
de ir pra cadeia por estar vendendo drogas.
Consequentemente, empresas de fora poderiam ir se instalar naquele
bairro, abrir lojas com janelas à prova de balas e vigiadas por seguranças
muito bem armados, e vender cocaína e outras drogas para os moradores (ou,
principalmente, para os clientes que vêm de outros bairros) por uma fração do
preço vigente nas ruas. Essas empresas
iriam rapidamente quebrar todas as quadrilhas de traficantes que operam na
região, uma vez que os clientes iriam correr em manada para aqueles
empreendimentos profissionalmente geridos, principalmente por causa de seus
preços baixos e pela qualidade de seus produtos.
Porém, por que isso não ocorre? Porque
se alguns empreendedores tentassem de fato implementar o plano acima, eles
seriam rapidamente bloqueados pela polícia, que interromperia suas atividades (com
o indisfarçável apoio dos traficantes locais).
Mais ainda: essas empresas teriam suas contas bancárias confiscados por
ordem do judiciário, inviabilizando qualquer operação. Líderes comunitários e religiosos iriam
reclamar que uma farmácia não pode vender cocaína para adolescentes em plena
luz do dia (embora os traficantes o façam imperturbáveis) e o chefe da
delegacia encarregada da região iria concordar.
Com efeito, nem ocorre a qualquer empreendedor tentar fazer o que foi
dito acima porque - duh! - seria algo totalmente ilegal.
Portanto, não é difícil entender que não é a relutância ou a má vontade do
governo em proteger certos direitos de propriedade que permite que determinadas
comunidades permaneçam em um equilíbrio violento; ao contrário: é justamente o
ataque do governo aos direitos de propriedade que faz com que bandidos detenham
um poder permanente sobre determinadas regiões.
Similarmente, se um estabelecimento qualquer - um restaurante chinês ou uma
lavanderia, por exemplo - em um bairro perigoso é assaltado, a polícia
provavelmente também não irá fazer muita hora extra pra tentar resolver o
caso. Ainda assim, essa negligência da
polícia para com o estabelecimento em questão (idêntica à negligência para com os
bairros tomados por traficantes) não gera uma violência indômita na indústria
de lavanderias da região; tampouco tem-se notícias de pessoas sendo mortas por
motivo de disputa pelo mercado de rolinhos primavera e frango xadrez.
O motivo é simples: se, por um lado, a polícia não protege os comerciantes em bairros perigosos, por outro, ela também
não os molesta, ou, pior ainda, não
os sequestra sob a mira de uma arma e os joga em uma jaula por vários anos,
pelo "crime" de estar comercializando alguma substância. Essa é a diferença chave entre a indústria
das drogas e todas as outras indústrias, e explica por que a indústria
perseguida por agentes armados do governo acaba se tornando (fortemente)
militarizada também.
Conclusão
Não é a timidez - ou mesmo a ausência - do governo o que permite que a
violência prolifere em bairros pobres infestados de traficantes. O que permite esse desvario é justamente o
exercício governamental do seu monopólio sobre o uso legítimo da força.
Mesmo economistas pró-livre mercado frequentemente entram em uma espécie de
ponto cego quando se trata do fornecimento de serviços estatais de justiça e de
fiscalização de cumprimento de contratos.
Porém, mesmo nessas áreas, monopólios exercidos por funcionários públicos
corruptos são péssimos. O setor privado
poderia resolver vários conflitos violentos se apenas o governo concedesse
liberdade para tal.
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Mais sobre o assunto: Anarquia, crime organizado e
mercado negro - alguns esclarecimentos