quarta-feira, 15 set 2010
Este
artigo foi extraído do capítulo 8 do livro Theory and History
Antes
do século XVIII, a maioria das dissertações que lidavam com a história humana
em geral (e não meramente com a experiência histórica concreta) interpretava a
história através do ponto de vista de uma específica filosofia da
história. Essa filosofia quase nunca era
claramente definida e pormenorizada.
Seus princípios eram admitidos como certos e subentendidos nas
observações acerca dos eventos.
Foi
somente com o advento do Iluminismo que alguns eminentes filósofos abandonaram
os tradicionais métodos da filosofia da história e pararam de se preocupar em
entender o propósito oculto da providência em dirigir o desenrolar dos eventos. Eles inauguraram uma nova filosofia social,
totalmente diferente daquilo que é chamado de filosofia da história. Eles passaram a olhar os eventos humanos
através do ponto de vista dos fins objetivados pelo indivíduo atuante, ao invés
de utilizar o ponto de vista dos planos atribuídos a Deus ou à natureza.
A
significância dessa mudança radical no enfoque ideológico pode ser melhor
ilustrada ao recorrermos ao ponto de vista de Adam Smith. Porém, para analisar as ideias de Smith,
temos primeiro de recorrer a Mandeville.
Os
sistemas éticos antigos eram praticamente unânimes em sua condenação ao
interesse próprio. Eles prontamente
consideravam o interesse próprio dos lavradores do solo algo perdoável, e
frequentemente tentavam isentar ou mesmo glorificar a avidez dos reis pelo
enaltecimento. Porém, eles eram inflexíveis
em sua condenação ao desejo das outras pessoas por bem-estar e riquezas. Referindo-se ao Sermão da Montanha, eles
exaltavam a renúncia e a indiferença em relação aos tesouros 'que as traças e a
ferrugem irão corromper', e rotulavam o interesse próprio como um vício
repreensível.
Bernard
de Mandeville, em seu A
Fábula das Abelhas, tentou desacreditar essa doutrina. Ele demonstrou que o interesse próprio e o
desejo pelo bem-estar material, comumente estigmatizados como vícios,
representam na realidade os incentivos cujo funcionamento contribuem para o
bem-estar, a prosperidade e a civilização.
Adam
Smith adotou essa ideia. Não era o
objetivo de seus estudos desenvolver uma filosofia da história de acordo com o
padrão tradicional. Ele não alegava ter
descoberto quais objetivos a providência estabeleceu para a humanidade tentar
concretizar. Ele se absteve de qualquer
afirmação sobre o destino da humanidade, bem como de fazer qualquer prognóstico
sobre o inevitável fim da história. Ele
meramente queria determinar e analisar os fatores que haviam sido cruciais para
o progresso do homem, desde as difíceis condições predominantes nas eras mais
antigas até as condições mais satisfatórias de sua própria era.
Foi
a partir desse ponto de vista que ele enfatizou o fato de que "cada parte da
natureza, quando atentamente examinada, demonstra uniformemente o miraculoso
cuidado de seu Autor", e que "podemos admirar a sabedoria e a bondade de Deus,
mesmo na fraqueza e na insensatez dos homens".
Os ricos, ao buscarem a "gratificação de seus próprios vãos e
insaciáveis desejos", são "guiados por uma mão invisível" de tal forma que eles
"sem planejar, sem saber, promovem os interesses da sociedade, e proporcionam
meios para a multiplicação da espécie".
Por
acreditar na existência de Deus, Smith não pôde deixar de creditar a Ele e a Seu
providencial cuidado todas as coisas terrenas, assim como faria mais tarde o
católico Frédéric Bastiat, que se referiu ao dedo de Deus. Porém, ao se referirem dessa forma a Deus,
nenhum deles teve a intenção de fazer qualquer afirmação sobre os fins que Deus
quer concretizar na evolução da história.
Os fins com os quais eles lidaram em seus escritos eram aqueles
objetivados pelo indivíduo, e não pela providência. Essa 'harmonia pré-estabelecida' à qual eles
aludiam não afetava seus princípios epistemológicos e seus métodos de
raciocínio. Era apenas um meio criado
para fazer com que os procedimentos mundanos e puramente seculares que eles
aplicaram aos seus esforços científicos se reconciliassem com suas crenças
religiosas. Eles copiaram esse procedimento
de astrônomos, físicos e biólogos religiosos, que o utilizavam sem se afastarem,
em suas pesquisas, dos métodos empíricos das ciências naturais.
O
que fez com que fosse necessário a Adam Smith buscar tal reconciliação foi o
fato de que — como ocorreu com Mandeville antes dele — ele não podia se
libertar dos padrões e da terminologia da ética tradicional, a qual condenava o
desejo do homem de melhorar suas próprias condições materiais. Consequentemente, ele teve de lidar com um
paradoxo. Como explicar o fato de que
ações comumente condenadas como maléficas geram efeitos comumente exaltados
como benéficos?
Os
filósofos utilitaristas encontraram a resposta correta. O que resulta em benefícios não pode ser
rejeitado como sendo moralmente ruim.
Somente ações que produzem resultados ruins são ruins. Porém, o ponto de vista utilitarista não
prevaleceu. A opinião pública ainda está
apegada a ideias pré-mandevillianas. Ela
não aprova o sucesso obtido por um empreendedor que exitosamente fornece aos
seus clientes as mercadorias que melhor satisfazem os desejos destes. Ela olha com desconfiança para a riqueza
adquirida por meio do comércio, da produção e da dedicação, e a considera
perdoável apenas se o proprietário dessa riqueza expiar sua "culpa" fazendo
doações para instituições de caridade.
Para
os historiadores e economistas agnósticos, ateus e antiteístas não há nenhuma
necessidade de recorrer à mão invisível de Smith e Bastiat. Os historiadores e economistas cristãos que
rejeitam o capitalismo como sendo um sistema injusto consideram uma blasfêmia
descrever o egoísmo como um meio que a providência escolheu para obter seus
fins. Assim, as visões teológicas de
Smith e Bastiat não mais têm qualquer significado para nossa época. Porém, não é impossível que as igrejas e
seitas cristãs um dia venham a descobrir que a plena liberdade religiosa pode
ser desfrutada apenas em uma economia de mercado — e, com isso, talvez elas
parem de apoiar tendências anticapitalistas.
E então elas irão parar de condenar o interesse próprio ou então irão
retornar à solução sugerida por esses pensadores iminentes.
Tão
importante quanto perceber a diferença essencial entre a filosofia da história
e a nova e puramente mundana filosofia social desenvolvida a partir do século
XVIII é perceber a diferença entre a 'doutrina das etapas' implícita em
praticamente toda a filosofia da história e as tentativas dos historiadores de
dividir a totalidade dos eventos históricos em vários períodos ou épocas.
No
contexto de uma filosofia da história, os vários estados ou etapas são, como já
foi mencionado, estações intermediárias no caminho para uma etapa final, a qual
realizará por completo o plano do providência.
Para as várias filosofias cristãs da história, esse padrão foi
determinado pelos quatro reinos do Livro de Daniel. As filosofias modernas da história pegaram
emprestada do Livro de Daniel a noção da etapa final das relações humanas, a
noção de "um domínio eterno, que não passará".
Por mais que Hegel, Comte e Marx possam discordar de Daniel e entre eles
próprios, todos eles aceitam essa noção, a qual é um elemento essencial em todas
as filosofias da história. Apenas variam
a etapa no qual a humanidade se encontra.
Eles anunciam que a etapa final já foi atingida (Hegel), ou que a
humanidade acabou de adentrá-la (Comte), ou que sua chegada deve ser esperada a
cada dia (Marx).
As
épocas da história distinguidas por historiadores são de um caráter
diferente. Historiadores não afirmam
saber alguma coisa sobre o futuro. Eles
lidam apenas com o passado. Seus
esquemas de periodização visam a apenas classificar fenômenos históricos sem
qualquer ousadia de prever eventos futuros.
A propensão de vários historiadores a dividir a história geral — ou
áreas específicas dela, como história econômica ou social, ou história militar
— em subdivisões artificiais produziu vários inconvenientes. Tem sido um obstáculo ao invés de um auxílio
para o estudo da história. Frequentemente,
tal atitude foi incitada por influências políticas. Os historiadores modernos concordam em dar
pouca atenção a tais esquemas. Porém, o
que importa para nós é simplesmente estabelecer o fato de que o caráter
epistemológico da periodização da história por historiadores é diferente dos
esquemas de etapas da filosofia da história.